Por Clara Santos, Redatora do Canal Arbitragem.
O recente relatório da ICC “Leveraging Technology for Fair, Effective and Efficient internacional Arbitration Proceedings” consiste em uma revisão do relatório “Issues to be Considered when Using Information Technology in International Arbitration” – edição 2017 sobre o tema tecnologia e arbitragem. A referida revisão foi motivada pelos impactos da pandemia de COVID-19, que modificou intensamente as tradicionais dinâmi
cas da arbitragem, bem como intensificou o uso da tecnologia na forma e na condução da extrajudicialidade.
O relatório traz como questão central de pesquisa como o uso da tecnologia está facilitado para que as arbitragens sejam mais eficientes, justas e com melhor custo benefícios. Foram cerca de 500 membros da comunidade internacional da arbitragem descrevendo experiências e recomendações em relação às soluções tecnológicas aplicadas.
Inicialmente, o relatório se aprofunda em questões relativas à privacidade dos dados, seja por exigência legislativa local ou devido à confidencialidade definida nos procedimentos, devendo, portanto, existirem incentivos e investimento das câmaras em cibersegurança.
Esse ponto é urgente porque os procedimentos envolvem significativo volume de informações comerciais e pessoais confidenciais que podem gerar danos caso sejam disponibilizadas publicamente, além de múltiplos participantes de diferentes jurisdições. Esses fatores tornam as arbitragens atraentes à cibercrimes, assim como torna o trabalho da cibersegurança uma tarefa mais complexa e custosa, visto que grande parte da responsabilidade está compartilhada entre os participantes do procedimento. A segurança da informação é tão forte quanto o seu elo mais fraco.
Dentre os resultados da entrevista, chama atenção também são os profissionais que defendem, em sua maioria, que as audiências não devem ser mais presumidamente encontros físicos, ou seja, os profissionais defendem que o formato da audiência precisa ser um tópico a ser definido caso a caso em concordância com as partes e/ou por decisão do Tribunal Arbitral.
Fato é que as audiências presenciais podem chegar a valores muito elevados. É possível que uma audiência presencial seja estimada até mais que o dobro em relação às audiências realizadas virtualmente.
O orçamento das audiências presenciais deve considerar o deslocamento dos participantes, podendo significar passagens nacionais e internacionais, diárias e translado terrestre, gravação solicitadas para serviços de estenotipia, talvez até seja preciso considerar a inclusão de coffee break, almoço, alugueis de equipamentos como projetores ou TVs.
Nesse quesito, se as custas do desenvolvimento das audiências são bancadas pelas partes, qual é o poder de decisão que elas possuem na definição do seu formato? Não é difícil imaginar que esse ponto possa ser uma questão divergente entre o Tribunal Arbitral e as partes. Poderá o Tribunal Arbitral decidir contrário a vontade das partes em relação ao formato da audiência?
Conforme o ponto ‘3.3 Tribunal authority’ do Relatório, assim como outros aspectos administrativos da arbitragem, o Tribunal Arbitral possui amplos poderes para gerenciar o uso da tecnologia, estabelecendo um equilíbrio com os princípios processuais da justiça e igualdade de tratamento das partes, com o poder de adaptar ou revisar, a qualquer momento, até mesmo as soluções tecnológicas pré-acordadas.
Ainda há comentários às tecnologias que auxiliam na seleção do árbitro, tecnologias voltadas ao gerenciamento dos casos, trocas de comunicações e notificações dos procedimentos, aplicação de inteligência artificial na classificação e resumos de documentos, check-list para as audiências virtuais e híbridas.
Um alerta interessante que a comunidade fez está no dado que 51% dos entrevistados apontaram que árbitros que possuam competências tecnológicas podem ser preferidos ao invés daqueles que não possuem essa competência.
Os resultados da pesquisa indicam que o uso de ferramentas de tecnologia na arbitragem internacional aumentará no futuro, incluindo rupturas com antigas práticas, como arquivamentos em papel e o aumento do uso de outras formas de tecnologia atualmente subutilizadas, como e-briefs com exposições com hiperlinks ou o e-discovery.
No Brasil, devido à pandemia, as câmaras arbitrais adotaram sistemas virtuais para que os procedimentos não fossem suspensos. Em sua maioria, as instituições, através de Resoluções Administrativas, promoveram a suspensão do recebimento de protocolos físicos, das reuniões e audiências presenciais, bem como optaram pelo protocolo exclusivamente eletrônico.
Durante esses últimos anos de pandemia, não houve notícias de procedimentos parados devido à suspensão de audiências presenciais. O mercado rapidamente se adaptou ao que à natureza o impôs.
A comunidade arbitral precisa refletir se a data limite da vigência dessas Resoluções Administrativas não significarão um freio nos avanços tecnológicos que estão ocorrendo. Será que as vantagens atuais permanecerão se os atores das arbitragens insistirem ao retorno as atividades presenciais e práticas pré-pandêmicas? Existem reais motivos para a volta da produção desenfreada de papel para a gestão dos procedimentos relativos aos métodos mais adequados? Ou se uma equipe reunida em um espaço físico significa realmente eficiência e integração dos colaboradores?
A arbitragem foi associada a eficiência e a celeridade em diversas pesquisas nacionais e internacionais. Aliada aos novos hábitos e ferramentas desenvolvidas, é possível acreditar que esse sistema de resolução de disputa continuará a crescer e se popularizar no mundo.