Artigo Caio Campello de Menezes

 

Dois conceitos avançaram muito nos últimos tempos: design e híbrido.

A obstinação de Steve Jobs pela perfeição do design em todos os produtos da marca Apple talvez tenha sido o maior incentivador para que outras áreas passassem a se preocupar com o assunto. Na psicologia, terapeutas se definem hoje como “designers de interiores” (de sentimentos, não de casas). Na área de liderança e estratégia, muito se fala sobre “design thinking” de ideias, produtos e serviços.

Já a palavra híbrido ganhou ainda mais força na era pós-pandêmica, especialmente no mercado de trabalho, que passou a adotar o formato flexível de trabalho (casa-escritório). Híbrido também exerce um papel relevante no setor automotivo, que conta com carros movidos com diferentes fontes de energia, como gasolina e etanol e, mais recentemente, elétrico e gasolina. No mundo dos eventos, seminários e congressos, o modelo híbrido encontrou um espaço muito fértil e rentável, em que pessoas passaram a participar tanto pessoalmente quanto remotamente, atingindo um público ainda maior.

Essas duas palavras – design e híbrido – provocam uma reflexão, que invariavelmente passa por outros dois conceitos: a flexibilidade e a adaptação.  O desenho pressupõe um certo grau de elasticidade, de liberdade e de inspiração. O híbrido, por sua vez, exige combinação, receptividade e cooperação. A mistura de todos esses quatro ingredientes (design+híbrido+flexibilidade+adaptação) pode resultar em uma receita que merece ser aplicada também no mundo do Direito, em especial nos métodos de solução de controvérsias.

Não há nenhuma disputa que seja igual a outra. Ao mesmo tempo, os atuais sistemas de resolução de disputas trazem pouca ou nenhuma possibilidade de adaptação ao caso concreto. Temos um sistema fixo de regras processuais preestabelecidas que não proporciona aos litigantes margem de flexibilização ou acomodação à situação peculiar do conflito. Ao invés de as partes serem obrigadas a se impor às regras prefixadas e engessadas do processo, por que não ponderar se não seria o caso de haver um movimento contrário, ou seja, o mecanismo de solução de conflito se moldar, especificamente, àqueles litigantes?

As diferenças e as peculiaridades de cada conflito precisam ser respeitadas em benefício de uma solução mais adequada e eficiente. O resultado seria, sem sombra de dúvidas, um procedimento mais adaptativo às necessidades específicas daquelas partes, no contexto daquele litígio, que é (e sempre será) único. Para isso, deveríamos nos atentar mais às necessidades dos litigantes do que propriamente ao litígio. Indo na contramão do automatismo das regras procedimentais, parece mais adequado que os magistrados, árbitros, mediadores, negociadores e advogados passassem a se preocupar a aplicar, com maior liberdade e criatividade, mecanismos que proporcionassem que aquele litígio fosse processado de forma individualizada. Atuando como um time de alfaiates, aplicariam um processo “feito a mão” e sob medida para aquele caso específico.

Da combinação criativa de diferentes ferramentas de solução de disputas resultaria uma conjunção própria, que se adaptasse às partes, à natureza da controvérsia e aos anseios dos litigantes quanto à solução dos seus impasses. A consequência natural seria, portanto, a criação de mecanismos colaborativos e integrados que fossem pensados para o caso concreto, deixando de lado o conceito (desatualizado) de que apenas um método é capaz de resolver todo e qualquer problema. O ditado inglês “one size fits all” não parece mais ser aplicável no contexto de gestão de disputas.

No cardápio atual de mecanismos de solução de controvérsias temos, basicamente, (i) o tradicional processo judicial, (ii) a arbitragem, (iii) a mediação, (iv) a negociação, e (v) os painéis técnicos de peritos. Na superfície, pode até parecer que essas opções seriam suficientes, mas na prática não são. Isso decorre, a meu ver, do isolamento de tais métodos, que não se conectam entre si de forma eficiente. Ao contrário, são colocados de forma hermética, quando na verdade deveriam ser vasos comunicantes. Embora, por exemplo, os processos judiciais e arbitrais permitam o uso da mediação e dos peritos ao longo do processo, isso não é feito de maneira verdadeiramente sistematizada à luz das particularidades das partes e do mérito da disputa.

Desenhar sistemas de resolução de disputas deve ser pensado de forma intencional, aplicando recursos que interajam entre si de forma combinada e sequenciada, construindo um método novo em que a disputa seja gerenciada do modo mais eficiente possível. Os designers de sistemas de disputas devem desenvolver maior capacidade de invenção e implementação de estratégias procedimentais integradas e complementares, que conversem entre si e tenham aplicação intercambial no curso do processo. Para tanto, devem ter proatividade para, já no momento inicial, diagnosticar as características do litígio e dos litigantes e encontrar a(s) melhor(es) opção(ões) procedimental(is) para a pacificação daquela situação conflituosa. Trata-se, portanto, de um método essencialmente investigativo e criativo, com foco na praticidade e eficiência.

Em um primeiro momento, para que essas inovações processuais sejam de fato implementadas, seria preciso educar e capacitar todos os profissionais envolvidos na gestão de conflitos a respeito das características e funcionalidades de cada um dos possíveis métodos de solução de controvérsias, sejam eles convencionais ou alternativos. Essa sugestão educacional acabará por qualificar aqueles profissionais e promoverá a complementação de suas habilidades, aumentando o seu nível de conhecimento e campo de visão acerca dos arranjos procedimentais disponíveis e, consequentemente, a qualidade das soluções aplicadas às disputas.

Nesse contexto, para promover o intercâmbio mediação-arbitragem (MED-ARB) e arbitragem-mediação (ARB-MED), por exemplo, mediadores deveriam ser formalmente treinados com mais frequência, para que também possam exercer a função de árbitros. O mesmo deveria ocorrer com os árbitros, que deveriam aprender a mediar conflitos, utilizando-se das técnicas próprias desenvolvidas pelos mediadores. Debates devem ser promovidos para identificar como (i) definir as atitudes e habilidades esperadas de mediadores e árbitros, considerando a possibilidade de atuarem com “chapéus” diferentes ao migrarem de um procedimento para outro, e como (ii) mediadores e árbitros poderiam auxiliar as partes a estabelecerem bases sólidas para discutirem, de forma eficiente, seus conflitos na próxima etapa.

Em um segundo momento, seria conveniente que as próprias partes passassem a ter conhecimento da existência desse raio de opções de sistemas de solução de controvérsias. Seria um processo de conscientização suportado pela política pública de gestão de conflitos e pela iniciativa privada, em um verdadeiro processo de parceria e colaboração. Todos os cidadãos e todas as empresas devem conhecer os seus direitos, sendo que um deles é justamente saber quais são os sistemas disponíveis para submeterem seus conflitos e quais seriam as suas respectivas vantagens e desvantagens. Deveríamos ter à disposição uma plataforma aberta (provavelmente virtual), com opções autônomas ou híbridas, permanentes ou temporárias, que pudessem ser escolhidas com base nas circunstâncias e especificidades do caso concreto, sempre com o objetivo de encontrar o(s) método(s) mais adequado(s) e eficiente(s) àquele contexto.

Embora essa customização tenha seus desafios e exija a utilização de muitos recursos materiais (de tempo e dinheiro) e humanos (pessoas e empresas públicas e privadas), todos os melhores esforços deveriam ser envidados no sentido de que sejam encorajadas pesquisas, investigações e discussões em torno da gestão de conflitos com o uso de formatos híbridos. Essa iniciativa deveria considerar diferentes culturas, para que se possa obter maior amplitude de ideias e de possíveis soluções. Trazer a melhor experiência de países ao redor do mundo a respeito dos possíveis desenhos de mecanismos híbridos pode ajudar a desenvolver, no âmbito nacional, novas legislações, guias, recomendações e melhores práticas a respeito do tema.

O futuro do sistema de gestão de controvérsias depende do sucesso dessas inovações. Parece mais claro nos dias de hoje que os silos rígidos construídos pelos métodos tradicionais de solução de controvérsia não se sustentam mais. Devem ser revistos e, a depender dos casos, quebrados, de modo a proporcionar flexibilidade e promover novas combinações e novos resultados. Quem sabe o Código de Processo Civil, com os seus mais de 1.000 artigos de lei, não se transforme, um dia, em um simples “Guia Prático de Design de Sistemas de Disputas”? Fica a proposta para refletirmos.