Judith Martins Costa**

Luca Giannotti***

Não há ciência sem conceitos precisos; se eles faltam, o que se consulta, para julgar, é o sentimento, a equidade, o que mais parece ser justo. Ora, justiça que se funda em tais escapatórias, não é justiça”.

(Pontes de Miranda)

Introdução

“Ordem pública” é um conceito jurídico indeterminado. Conceitos indeterminados, cláusulas gerais, termos indefinidos devem ser utilizados pelo legislador com a mais extrema parcimônia, e, de preferência, com o recurso àqueles já densificados pela atividade doutrinária secular[1]. Como está em boa doutrina, “a indeterminação no Direito é coisa séria. Com ela não se pode brincar”[2].

Nesse domínio, “a falta de discernimento entre as categorias, sobretudo aquelas concernentes à indeterminação da linguagem, acarreta ou pode acarretar severas consequências”[3]. Isto, porque a indeterminação é, per se, fonte de insegurança jurídica e mais se agrava com o transplante conceitual, seja entre sistemas diversos, seja entre espaços jurídicos diversos (e.g., entre o Direito Internacional Privado e o Direito Civil).

Conceitos devem ser precisos e, principalmente, ter o seu sentido compartilhado, o mais possível, pela comunidade dos que têm por dever promover a sua concretização, de modo direto (como os julgadores) ou indiretos (como a doutrina), o que só é possível se há contato com e, eventualmente, respeito à tradição. As categorias jurídicas devem disciplinadas racionalmente, sem apresentar contradições ou tiradas rebarbativas, sem incursões nos anacronismos, isto é, naquelas soluções que, pensadas em vista de outros sistemas jurídicos, são aqui transplantadas sem necessidade prática (porque já há solução no sistema) ou sem conexão com a realidade normativa na qual vem a ser artificiosamente inserida.

Essas considerações de ordem geral vêm à mente quando nos deparamos com a prolixia e a atecnia que revestem a expressão “ordem pública” no Projeto de Lei 04/2025 (Reforma do Código Civil). Ao utilizar com tanta largueza e em combinações tão idiossincráticas essa expressão, a proposição legislativa que se quer “nova” retrocede, aventurando-se aos riscos das opiniones quotidie mutantur que marcaram o Direito Antigo.

Contrariando a relativa moderação do Código Civil vigente[4], o Relatório Final dos trabalhos da Comissão de Juristas introduz a expressão “ordem pública” em nada mais, nada menos, do que em 20 enunciados, acrescendo-se outros 17 àqueles que sobrevivem do Código de 2002[5].

A que estado de insegurança nos podem levar os excessos, as confusões conceituais, o desgarramento da tradição constantes do Projeto?

A essa altura, uma resposta precisa, por evidente, poderia apenas ser aventada. Mas, se é bem verdade que a História e o Direito Comparado são os laboratórios onde se faz a Ciência do Direito[6], vale a pena – na esperança de que até lá não se chegue – examinar como foi introduzida essa expressão no Direito. Faremos isso neste Boletim, averiguando-se, na próxima semana, como se apresenta no mencionado Projeto de Lei, em contraste ao vigente Código, exemplificando-se com alguns dos muitos problemas que suscita.

A origem da noção de ordem pública

Apesar de escanteada na doutrina civilista brasileira contemporânea[7], a expressão “ordem pública” designa um instituto tradicionalíssimo do Direito Civil, um verdadeiro acquis de todos os sistemas jurídicos de alguma forma ligados à experiência romana[8], embora varie o seu significado conforme os qualificativos do campo jurídico ao qual referida. Para além do campo do Direito Privado, também existem outras ordens públicas: “ordem pública internacional”[9], “ordem pública penal” e, no Direito Econômico, “ordem pública de proteção” e “ordem pública de direção”.

Muito embora o conceito de ordem pública estivesse já no mundo romano, a expressão não provém daquela experiência jurídica. No Direito Romano, utilizava-se a expressão bons costumes (boni mores) para desempenhar a função que, muito mais tarde, e em outros espaços jurídicos, veio a ser cometida à noção de ordem pública. Os boni mores estão nas fontes como limite à validade de negócios jurídicos que contrariassem os valores básicos da sociedade romana. Além dos casos típicos que ainda valem hoje como exemplos diretos de violação aos bons costumes e à ordem pública (e.g., é nulo o negócio por meio do qual alguém se obriga a casar com outrem ou a cometer um crime), os boni mores são a origem do vigente art. 426 – a vedação a todos os pactos sucessórios[10].

A relativa estabilidade terminológica e conceitual atrelada à noção de bons costumes, que perpassara o Direito Antigo, vai mudar na primeira Codificação moderna, isto é, a francesa de 1804. “Ordem pública”, como conceito destinado a substituir funcionalmente a noção de “bons costumes”, faz seu ingresso como nova expressão no Direito Civil, muito devendo ao Direito francês pós revolucionário.

No art. 1113 do Código Civil francês, [11] a ordem pública  é colocada ao lado de bons costumes como limite à autonomia privada. No entanto, embora ambos sejam restrições à liberdade negocial em função de certos valores relevantes ao Ordenamento, o conjunto protegido é diverso: enquanto os bons costumes impõem certo conteúdo ético mínimo aos negócios, a ordem pública tolhe a autonomia privada quando ela se coloca em contradição com os princípios fundamentais da ordem jurídica posta pela Codificação[12]. Assim como a liberdade contratual é princípio básico do ordenamento, um contrato por meio do qual um sujeito se obriga a algo de modo perpétuo é contrário à ordem pública, também assim o é uma convenção que tolhe a condição do sujeito de adquirir bens ou reduz sua capacidade de desenvolver sua atividade. Até pelo fato de o dispositivo do Código Civil francês fazer menção à ordem pública e aos bons costumes, os conceitos acabaram por se mesclar, tornando-se os bons costumes parte da ordem pública na França – o mínimo ético torna-se, pois, parte dos princípios básicos da ordem posta[13].

No transcurso do século XIX, o par conceitual ordem pública e bons costumes assumiu novas funções. Seja na Alemanha, que adota apenas o conceito de bons costumes[14], seja na França, na qual o conceito de ordem pública está firmemente ancorado, a organização da atividade econômica por parte do Estado provocou o surgimento de um conjunto de normas que visam a direcionar a atividade econômica por meio da intervenção do Poder Público ou introduzir normas protetivas para proteger quem se encontra em condições menos privilegiadas.

Esse novo direito, que forma o núcleo do Direito Econômico e se aloca, em parte, no Direito Civil Patrimonial[15], integra-se à “ordem pública” privada como ordem pública econômica, recebendo uma aplicação concreta, no campo dos negócios privados, da ideia geral, que se desdobra, segundo conhecida classificação acima já mencionada[16], em ordem pública econômica de direção e em ordem pública econômica de proteção, hoje se agregando – pela proeminência e pela urgência do tema – a noção de ordem pública ecológica[17].

Todas as três noções dizem respeito a interesses de caráter geral ou transindividual, disciplinados por normas elaboradas pelo Estado que dispõe, no âmbito de suas competências, acerca de objetivos de política econômica nacional que infletem, direta ou indiretamente, na produção privada[18]. Por essa razão, os vários sentidos de “ordem pública” aproximam-se da public policy norte-americana, que acabou vertida no Brasil, vagamente, como política pública[19].

E no Direito Civil Brasileiro?

O Código de 1916 não mencionava a ordem pública. Sequer se previa, de modo expresso, a inderrogabilidade de regras de ordem pública. Apesar de Clóvis Bevilaqua ter disposto, em seu anteprojeto, que “ninguém pode derrogar, por convenção, as leis que regulam a constituição da família, nem as que interessam à ordem pública e aos bons costumes”[20], unindo as duas expressões tradicionalmente indicativas do conceito, a regra não prevaleceu na tramitação legislativa. O Código de 1916 apenas continha enunciado (art. 145) segundo o qual nulo era o ato jurídico quando ilícito ou impossível o seu objeto, sem referência às expressões ordem pública e bons costumes[21]. Isso não obstante, doutrina e jurisprudência tinham, no art. 145, a sedes materiae da nulidade dos atos contrários à ordem pública. A ausência, que não foi seguida no Código Civil de 2002, era festejada em boa doutrina.

Uma vez que certos princípios têm mais força, mais eficácia quando mantidos discretamente”, diz Dolinger, o “legislador civil provavelmente considerou que não há necessidade de explicitar a proteção operada pela ordem pública”,[22]. E explicita: “Esta, no plano do direito interno, pode permanecer oculta, irrevelada, no anonimato. Sua vigência é uma questão tão manifesta, tão integrante do sistema jurídico que o legislador não precisa preocupar-se em manifestá-la expressamente”[23]. Pelo contrário, é melhor que não o faça: a “experiência quase secular com o Código de 1916 demonstrou que se pode perfeitamente viver sem qualquer expressa referência legislativa ao princípio da ordem pública”, afirma, tão forte é sua imanência ao sistema. E acrescenta: “E, no caso da ordem pública, esta discrição ainda é mais importante, pois, como é sabido, ela é volúvel, altera-se com a mudança de costumes, de mentalidades, de interesses nacionais, e o que feria a ordem pública no passado pode não mais ferir hoje e vice-versa. Perdeu o legislador do século XXI a oportunidade de seguir a sábia orientação do legislador de oito décadas atrás, que estabelecera um regime que funcionou a pleno contento”[24].

Se assim é a crítica ao Código de 2002, modesto nas suas referências à ordem pública[25], o que diria o grande internacionalista ao se deparar com o Projeto de Lei 04/2025 e sua inédita prolixidade?

Essa questão será desenvolvida na próxima edição do Boletim IDiP-IEC, a ser publicado na próxima semana.

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* Citar como: MARTINS-COSTA, Judith; GIANNOTTI, Luca. A ordem pública e o Projeto de Reforma do Código Civil [Parte I]. In: MARTINS-COSTA, Judith; MARTINS, Fábio; CRAVEIRO, Mariana; XAVIER, Rafael (Orgs.). Boletim IDiP-IEC. Vol. XLIII, Canela-São Paulo. Publicado em: 12.02.2025. Disponível em: https://canalarbitragem.com.br/xliii-boletim-idip-iec/a-ordem-publica/

** Doutora e Livre-Docente em Direito Civil pela Universidade de São Paulo. Foi Professora de Direito Civil na Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. É Presidente do Instituto de Estudos Culturalistas – IEC. Sócia fundadora de Judith Martins-Costa Advogados.

*** Doutorando em Direito Civil pela Universidade de São Paulo. Bacharel em Direito pela Universidade de São Paulo. Associado ao Instituto de Estudos Culturalistas (IEC) e ao Instituto Brasileiro de Direito do Seguro (IBDS). Advogado em Ernesto Tzirulnik Advocacia.

[1] Basta verificar o que ocorre com o conceito de boa-fé, seja a subjetiva, seja a objetiva que, décadas após sua introdução em textos legislativos, trabalhos e trabalhos doutrinários se sucedendo, ainda é fonte de tanto desconhecimento e confusão, como se verificou, em tempos recentes, com a chamada Lei da Liberdade Econômica (vide: MARTINS-COSTA, Judith. BENETTI, Giovana. Comentário ao artigo 2º, inciso II: O princípio da “boa-fé do particular perante o poder público”. In: MARTINS-COSTA, Judith. NITSCHKE, Guilherme Carneiro Monteiro (Coords.). Direito Privado na Lei da Liberdade Econômica: Comentários. São Paulo: Almedina, 2022, p. 73 e ss.).

[2] ÁVILA, Humberto. Teoria da Indeterminação no Direito: Entre a indeterminação aparente e a determinação latente. São Paulo: ABDR, 2022, p. 10-11.

[3] ÁVILA, Humberto. Teoria da Indeterminação no Direito: Entre a indeterminação aparente e a determinação latente. São Paulo: ABDR, 2022, p. 10-11.

[4] A expressão surge em 5 ocasiões diferentes que, como veremos, indicam certa coesão: art. 20 (exceção ao direito à privacidade), art. 122 (limite à licitude das condições), art. 606 (limite à exceção de que serviços prestados por quem não é habilitado ainda merece retribuição), art. 1.125 (permissão ao Executivo de cassar a autorização para funcionamento de sociedade que infrinja disposição de ordem pública) e art. 2.035 (proibição geral de negócios que contrariem preceitos de ordem pública, “tais como os estabelecidos por este Código para assegurar a função social da propriedade e dos contratos”).

[5] Se adotadas as propostas das Comissão, (i) a conformidade às “normas de ordem pública” seria um novo requisito de validade dos negócios jurídicos (art. 104, IV; art. 166, VI); (ii) “os princípios e normas de ordem pública” tolheriam a liberdade contratual em contratos paritários (art. 421-D); (iii) a confiança, a propriedade e a boa-fé seriam “de ordem pública” (art. 422-A); (iv) o fideicomisso é admitido, “desde que não viole normas cogentes ou de ordem pública; (v) cláusulas limitativas de responsabilidade civil também, “desde que não violemarço direitos indisponíveis, normas de ordem pública, a boa-fé ou exima de indenização danos causados por dolo” (art. 946-A); (vi) o direito da empresa como um todo deve ser interpretado e aplicado observando os princípios da autonomia privada, “que somente será afastada se houver violação de normas legais de ordem pública”, e da força obrigatória das convenções, “desde que não violem normas de ordem pública” (art. 966-A, III e VII); (vii) “a constituição da propriedade fiduciária não pode lesar terceiros, constituir fraude ou violar norma de ordem pública” (art. 1.361, §1º); (viii) o proprietário, ao constituir direito real de garantia, poderá reservar-se a prioridade sobre o bem, “observadas as normas cogentes e de ordem pública” (art. 1.432-B); (ix) as exceções à proibição ao pacto comissórios que se sugere introduzir “não podemarço violar normas cogentes ou de ordem pública, especialmente em relações de consumo” (art. 1.428, §4º); (x) “é lícito aos cônjuges ou conviventes criarem regime atípico ou misto [de sociedade conjugal], […], desde que não haja contrariedade a normas cogentes ou de ordem pública” (art. 1.640, §2º); (xi) “é nula de pleno direito a convenção ou cláusula do pacto antenupcial ou convivência que contravenha disposição absoluta de lei, norma cogente ou de ordem pública […]” (art. 1.655); (xii) reconhece-se o direito à partilha em vida, “contanto que respeite a legítima dos herdeiros e não viole normas cogentes ou de ordem pública” (art. 2.018); (xiii) as situações jurídicas digitais estariam sujeitas às normas e termos de uso estabelecidos pelas plataformas e serviços digitais envolvidos, “desde que não contrariem a legislação brasileira, sobretudo as normas cogentes ou de ordem pública” (art. sem número); (xiv) “os termos de uso das plataformas digitais e suas provisões que contrariem normas cogentes ou de ordem pública serão nulos de pleno direito, nos termos do artigo 166 deste Código” (parágrafo único de um art. sem número); (xv) seria permitido criar imagens de pessoas por meio de inteligência artificial, desde observado o “absoluto respeito a normas cogentes ou de ordem pública, sobretudo as previstas neste Código e na Constituição Federal” (inciso IV de art. sem número); (xvi) seria princípio aplicável aos contratos celebrados por meio digitais “a autonomia privada: com o reconhecimento da liberdade das partes na criação de negócios digitais, desde que não contrariem a legislação vigente, sobretudo as normas cogentes e de ordem pública” (inciso II de art. sem número); por fim (xvii), a expressão consta da alínea (iv) ao art. 426-A (sobre fideicomisso). Registra-se que a expressão também aparece nos arts. 20, 122 e 606, parágrafo 2º, como está na redação originária.

[6] MENEZES CORDEIRO, António. Reestruturar a responsabilidade civil: bases e implicações. Breves reflexões suscitadas pelo projeto de reforma do Código Civil brasileiro de 2002. Conjur, São Paulo, p. 1-35, Nov./2024, p. 2 e 4.

[7] Apenas no Direito Civil. No Direito Internacional, o conceito é finamente trabalhado e decantado, apontando Dolinger aos seus “três níveis”, com operatividades distintas (vide: DOLINGER, Jacob. A Ordem pública internacional em seus diversos patamares. Revista dos Tribunais, vol. 828, p. 33-42, Out./2004. Do mesmo autor: Ordem pública mundial: Ordem pública verdadeiramente internacional no direito internacional privado. Revista de Informação Legislativa, São Paulo, a. 23, n. 90, p. 205-232, Abr.-Jun./1986, p. 205 e ss. No Direito Econômico, em outro exemplo, as categorias são bem-postas e discutas, especialmente em vista da classificação proposta por FARJAT, Gérad. L‘ordre public économique. Paris: LGDJ, 1963, em especial p. 306-309. Muito sinteticamente, a ordem pública econômica é o conjunto de prerrogativas estatais para a organização das relações econômicas, em vista da necessidade de preservação ou desenvolvimento dos mercados sob a condução de decisões políticas. A ordem pública econômica de direção tende a estabelecer a organização da economia, enquanto a ordem pública de proteção tem como fim proteger, em certos contratos, a parte economicamente mais fraca. Na doutrina brasileira: GRAU, Eros. A Ordem Econômica na Constituição de 1988. 14. ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 58-62.

[8] Comprova a universalidade do conceito a pesquisa de KÖTZ, Hein. Die Ungültigkeit von Verträgen wegen Gesetz- und Sittenwidrigkeit: Eine rechtsvergleichende Skizze. Rabels Zeitschrift für ausländisches und internationales Privatrecht, Tübingen, vol. 58, p. 209-231, 1994, p. 211-219 (disponível em: https://www.jstor.org/stable/i27877698).

[9] No Direito Internacional, repercute, ainda, a noção de bons costumes, servindo para rejeitar a aplicação de normas alienígenas quando ofensivas aos princípios básicos da ordem jurídica do foro, razão pela qual conclui acertadamente Dolinger: “apesar de tratada na literatura do direito internacional privado como ‘ordem pública internacional’, na realidade ela é essencialmente interna, de caráter nacional, e a ela se recorre para defender as normas de ordem pública do foro contra as regras jurídicas estrangeiras que colidam com as ideias básicas de justiça e bono mori do fórum” (vide: DOLINGER, Jacob. Ordem pública mundial: Ordem pública verdadeiramente internacional no direito internacional privado. Revista de Informação Legislativa, São Paulo, a. 23, n. 90, p. 205-232, Abr.-Jun./1986, p. 208).

[10] Para um panorama do conceito e da evolução até hoje, cf. ZIMMERMANN, Reinhard. The Law of Obligations: Roman foundations of the civilian tradition. Cape Town: Juta, 1992, p. 706-716.

[11] Art. 1.133. A causa [da obrigação] é ilícita quando ela é proibida por lei, quando ela contraria os bons costumes ou ofende a ordem pública (La cause est illicite, quand elle est prohibée par la loi, quand elle est contraire aux bonnes moeurs ou à l’ordre public).

[12] FERRI, Giovanni B. Ordine pubblico (diritto privato). In: Saggi di diritto civile. Dogana: Maggioli, 1994, p. 441-481, 468-469 e 472-473.

[13] Veja-se, por exemplo, a definição de ordem pública no Direito Privado no dicionário de Cornu: “Norme impérative dont les individus ne peuvent s’écarter ni dans leur comportement, ni dans leurs conventions (C. civ., a. 6 ; a. 1102); norme directive qui, exprimée ou non dans une loi, correspond à l’ensemble des exigences fondamentales (sociales, politiques, etc.) considérées comme essentielles au fonctionnement des services publics, au maintien de la sécurité ou de la moralité (en ce sens l’ordre public englobe les bonnes mœurs), à la marche de l’économie (ordre public économique) ou même à la sauvegarde de certains intérêts particuliers primordiaux (ordre public de protection individuelle); intérêt supérieur hors d’atteinte des volontés particulières contraires; limite à la liberté qui fait positivement ressortir les valeurs fondamentales qu’elle protège contre les abus de la liberté. V. illicite, cause, objet, nullité absolue, indisponibilité, interventionnisme, dirigisme, déréglementation, notion-cadre” (CORNU, Gerárd (Org.). Vocabulaire Juridique. 12. ed. Paris: PUF, 2018, p. 1.527).

[14] A história alemã é particularmente interessante. Nos trabalhos preparatórios do BGB, a expressão “ordem pública” foi expurgada do texto proposto para se privilegiar as fontes romanas. Retirando a associação que o BGB faz entre ordem pública e juros abusivo, a Constituição de Weimar elevou os bons costumes a princípio da ordem econômica. No art. 152, previu-se: No tráfico econômico, vige a liberdade contratual na medida da lei. A usura é proibida. Negócios jurídicos que violem os bons costumes são nulos. (Artikel 152. Im Wirtschaftsverkehr gilt Vertragsfreiheit nach Maßgabe der Gesetze. Wucher ist verboten. Rechtsgeschäfte, die gegen die guten Sitten verstoßen, sind nichtig). A jurisprudência rapidamente valeu-se dessa previsão para fazer a tutela negativa da ordem econômica posta e decretar a nulidade uma série de negócios (e.g., resultar de abuso de posição dominante no mercado). Como registro, cf. ENNECCERRUS, Ludwig; NIPPERDEY, Hans Carl. Allgemeiner Teil des Bürgerlichen Rechts. Vol. II. 15. ed. Tübingen: Mohr Siebeck, 1960, p. 1.163-1.184.

[15] O Direito Patrimonial é a parte do Direito Civil compreensiva das regras e das instituições por meio das quais se realizam os fins econômicos da pessoa e, por consequência, é o setor do Ordenamento que regulamenta a distribuição de bens econômicos e o tráfego ou alocação desses bens, assim como a cooperação social produzida entre os membros de uma sociedade ou grupo humano por meio da prestação de serviços de uma pessoa em relação a, ou em favor de outra ou outras pessoas (nesse sentido: DIEZ-PICAZO, Luis. Fundamentos del Derecho Civil Patrimonal. Vol. I. Madrid: Tecnos, 1972, p. 42).

[16] FARJAT, Gérad. L‘Ordre Public Économique. Paris: LGDJ, 1963, em especial p. 306-309. Vide, supra, nota de rodapé 9.

[17] MORAND-DEVILLIERS, Jacqueline. Ordre public économique, ordre public écologique. Revista de Direito Econômico e Socioambiental, Curitiba, vol. 9, n. 1, p. 3-17, Jan.-Abr./2018.

[18] GALGANO, Francesco. Las Instituciones de la Economia Capitalista: Sociedad anônima, Estado y clases sociales. Trad. Carmen Alborch Battaler e Manuel Broseta Pont. Barcelona: Ariel, 1990, p. 39. Mencionou-se essa problemática, especificamente no que diz com a política de juros em: MARTINS-COSTA, Judith. Comentários ao Novo Código Civil: Do inadimplemento das obrigações. Vol. V. Tomo II. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 575-581, e, igualmente, em: MARTINS-COSTA, Judith. O Regime dos Juros no Novo Direito Privado Brasileiro. Revista da Ajuris, Porto Alegre, vol. 105, p. 237-264, 2007.

[19] FERRI, Giovanni B. Ordine pubblico (diritto privato). In: Saggi di diritto civile. Dogana: Maggioli, 1994, p. 441-481, 469. Na doutrina brasileira: GRAU, Eros. A Ordem Econômica na Constituição de 1988. 11. ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 16. Do mesmo autor: GRAU, Eros. O Direito Posto e o Direito Pressuposto. 7. ed. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 25-26, que anota: “A expressão política pública designa atuação do Estado, desde a pressuposição de uma bem marcada separação entre Estado e sociedade.[…] Essas políticas, contudo, não se reduzem à categoria das políticas econômicas; englobam, de modo mais amplo, todo o conjunto de atuações estatais no c cobrindo todas as formas de intervenção do poder público na vida social. E de tal forma isso se institucionaliza que o próprio direito, neste quadro, passa a manifestar-se como uma política pública – o direito é também, ele próprio, uma política pública”.

[20] BEVILAQUA, Clovis. Projecto primitivo. In: Projecto do Codigo Civil Brazileiro: Trabalhos da Comissão Especial da Câmara dos Deputados. Projectos primitivo e revisto. Vol. I. Rio de Janeiro: Impr. Nacional, 1907, p. 50.

[21] “Art. 145. É nulo o ato jurídico:

  1. Quando praticado por pessoa absolutamente incapaz (art. 5).
  2. Quando for ilícito, ou impossível, o seu objeto.

III. Quando não revestir a forma prescrita em lei arts. 82 e 130).

  1. Quando for preterida alguma solenidade que a lei considere essencial para a sua validade.
  2. Quando a lei taxativamente o declarar nulo ou lhe negar efeito”.

[22] DOLINGER, Jacob. Direito Internacional Privado: Parte geral. 7. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 407-408.

[23] DOLINGER, Jacob. A Ordem pública internacional em seus diversos patamares. Revista dos Tribunais, vol. 828, p. 33-42, Out./2004.

[24] DOLINGER, Jacob. A Ordem pública internacional em seus diversos patamares. Revista dos Tribunais, vol. 828, p. 33-42, Out./2004.

[25] Arts. 20, 122, 606, 1.125 e 2035, par. único.