Marcelo Trindade**
- Introdução
Em junho de 2024 foi promulgada a Lei 14.905, que, como diz sua ementa, alterou o Código Civil “para dispor sobre atualização monetária e juros”. A Lei sanou algumas das dúvidas que assombraram a atividade econômica no país desde pelo menos 1933, quando foi editada a chamada Lei da Usura (Decreto 22.626). Além disso, pôs fim a um importante anacronismo do regime legal dos juros moratórios e compensatórios no Brasil.
A principal dúvida resolvida pela Lei 14.905 refere-se à adoção, desde a vigência do Código Civil de 2002, de uma taxa de juros legais flutuante (a Taxa Selic). Apesar de a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça ter se firmado no sentido de prestigiar essa acertada opção do Código Civil, ela ainda era recorrentemente desafiada, inclusive dentro do próprio tribunal, gerando grande insegurança jurídica.
Quanto ao anacronismo, a Lei 14.905 afastou do Código Civil qualquer limitação quantitativa à liberdade das partes de fixar as taxas de juros em um negócio jurídico – sem prejuízo, naturalmente, das hipóteses de lesão e de onerosidade excessiva. Adicionalmente, restringiu grandemente o campo de incidência da chamada Lei da Usura (Decreto 22.626, de 1933), tornando-o praticamente inexistente.
Acontece que o Projeto de Lei 04/2025, dito de revisão do Código Civil, apresentado ao Senado Federal em 17 de abril de 2025, ignorou a Lei 14.905 e insistiu na proposta do anteprojeto que lhe deu origem, de fixar os juros moratórios em uma taxa fixa, de 1% ao mês. Ao fazê-lo, não apenas pretendeu reviver a querela sepultada sobre a conveniência do uso de uma taxa flutuante, como nela tomou o pior partido, ignorando o reconhecimento, pelo próprio Superior Tribunal de Justiça, de que o advento da Lei 14.905 pusera fim à discussão. E, não satisfeito, voltou a limitar a vontade das partes quanto à fixação dos juros, embora, sem razão aparente, apenas quanto aos juros de mora.
O que mais surpreende, nessa nova investida, é que com ela se propõe retornar a um cenário criticado pelo próprio Senador Rodrigo Pacheco, que apresentou o Projeto de Lei 04/2025 ao Congresso Nacional. De fato, em 2022, o Senador Pacheco propusera a adoção de uma taxa de juros flutuante, ressaltando que “a despeito do entendimento do STJ, que deveria dar a palavra final sobre o assunto, muitas decisões judiciais de instâncias inferiores adotam posicionamento divergente”, razão pela qual “já tarda que uma lei venha a pacificar assunto tão importante para a segurança jurídica e para o ambiente de negócios nacionais”.[1]
Diante dessa reviravolta, este artigo pretende resumir as razões pelas quais as opções legislativas feitas em 2002 e 2024 – com o Código Civil, pela adoção de uma taxa legal de juros flutuantes e com a Lei 14.905, pela liberdade de pactuação da taxa de juros – devem ser preservadas do ataque procedido pelo Projeto de Lei 04/2025, sob pena de o país voltar a conviver com um regime anacrônico e dissonante do padrão internacional.
- Os juros legais no Código Civil de 2002
No Brasil, como na maioria dos países, a lei impõe uma obrigação acessória de pagamento de juros, que será devida no caso de não cumprimento de uma obrigação, seja em razão da mora, seja do inadimplemento absoluto.[2] Trata-se dos juros de mora, para os quais a lei fixa uma taxa, conhecida como a de juros legais, cuja incidência independe de acordo entre as partes, embora possa ser por elas fixada em substituição à taxa legal.
Além das hipóteses de juros devidos pela mora ou pelo inadimplemento absoluto, a taxa dos juros legais também era utilizada pelo Código Civil de 2002 como um teto, isto é, um limite à liberdade de contratação de juros compensatórios, que são os juros destinados a remunerar o uso do capital alheio, entre a data em que ele fica à disposição do devedor e a data em que ele deve ser restituído.[3]
Para todas essas hipóteses, o Código Civil de 2002 procedeu a uma intencional e relevante alteração legislativa, substituindo a taxa legal até então vigente – que era fixa em 6% ao ano (art. 1.062 do Código Civil de 1916), podendo ser aumentada para até 12% ao ano por vontade das partes (art. 1º da Lei da Usura) – por uma taxa flutuante, correspondente à “taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional” (art. 406).[4]
Além de tornar o regime geral brasileiro aderente ao modelo adotado em outras jurisdições, o principal benefício dessa inovação foi permitir que as estimativas de elevação e redução da inflação – que são capturadas pela Taxa Selic – fossem refletidas na proporção do incremento da dívida durante o período de incidência de juros legais, evitando-se o enriquecimento sem causa do credor ou do devedor.[5]
Mas embora louvável, essa alteração enfrentou resistência. De um lado, sem fundamento na prática internacional e em oposição à própria finalidade da lei, comprovada pelas exposições de motivos e pelos debates legislativos, pretendeu-se sustentar que a referência à taxa incidente sobre os tributos deveria resultar na aplicação da taxa de juros fixa prevista no Código Tributário Nacional, de 1966, de 12% ao ano.[6]
Por outro lado, e já aí com compreensível preocupação, alegava-se o risco de dupla contagem de correção monetária, pois a Selic já captura as oscilações da inflação (embora com base em estimativas) e o Código de 2002, ao mesmo tempo em que mandou aplicar aquela taxa de juros flutuante, determinou a incidência de correção monetária como consequência da mora e do inadimplemento.
A solução para esse segundo (e único efetivo) problema terminou demorando algum tempo,[7] mas era simples, como finalmente ficou demonstrado com a pacificação da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, no sentido de que “a taxa de juros moratórios a que se refere o art. 406 do Código Civil é a taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e Custódia – SELIC, vedada a acumulação com correção monetária”.[8] Ou seja: uma vez incidindo a Selic, a correção monetária deveria ser considerada como por ela abrangida.[9]
- A Lei 14.905 de 2024
A Lei 14.905 pacificou a solução para a primeira questão, relativa à taxa legal de juros no Brasil, adotando a interpretação do Código de 2002 preconizada pelo Superior Tribunal de Justiça. Mas foi além, aprimorando aquela solução.[10]
Em primeiro lugar a nova lei acrescentou o parágrafo único ao art. 389 do Código Civil, para determinar que, na omissão das partes ou de outras leis, a correção monetária será calculada pela “variação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), apurado e divulgado pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), ou do índice que vier a substituí-lo”.
Em segundo lugar, a Lei 14.905 acrescentou um parágrafo primeiro ao art. 406 do Código Civil, determinando diretamente – e não por referência à legislação tributária – que a taxa legal de juros “corresponderá à taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (Selic)” e explicitando de que tal taxa será “deduzido o índice de atualização monetária de que trata o parágrafo único do art. 389 deste Código”.
Desse modo, não apenas a taxa legal passou a ser explicitamente referida no Código Civil, como sua apuração passou a consistir expressamente no resultado da operação aritmética de deduzir da taxa de juros flutuante (a Taxa Selic) a taxa de inflação efetiva do mesmo período, apurada pelo IPCA – afastando-se qualquer risco de dupla incidência de juros e correção monetária.[11]
Já quanto ao segundo tema, relativo ao anacronismo de uma limitação geral à liberdade de contratar livremente a taxa de juros, a Lei 14.905 endereçou boa parte das questões práticas decorrentes da redação do Código de 2002. Para tanto, a lei alterou o art. 591 do Código Civil, relativo aos contratos de mútuo, suprimindo tanto a proibição de que os juros compensatórios excedessem “a taxa a que se refere o art. 406”, quanto a limitação de somente ser “permitida a capitalização anual” daqueles juros, que impedia a capitalização dos juros em períodos menores.
Mas não é só. Quanto ao tema, embora não tenha revogado a Lei da Usura – como a nosso ver deveria ter feito[12] –, a Lei 14.905 reduziu substancialmente seu campo remanescente de aplicação, ao afastar sua incidência quanto às obrigações “contratadas entre pessoas jurídicas”, “representadas por títulos de crédito ou valores mobiliários”, “fundos ou clubes de investimento”, ou constituídas “nos mercados financeiro, de capitais ou de valores mobiliários”.[13]
Na prática isso significou afastar dos contratos de mútuo e de todas as obrigações mencionadas no art. 3º da Lei 14.905 o eventual entendimento – que nos parece equivocado – de ainda serem aplicáveis às demais relações jurídicas as normas da Lei da Usura sobre (i) taxas de juros que ultrapassem o dobro da taxa legal (que significariam 200% da Taxa Selic) e (ii) a taxa de juros de mora incidente na omissão das partes, que seria de 6% ao ano.[14]
Por fim, mas não menos relevante, ao dar nova redação ao art. 406 do Código Civil, a Lei 14.905 substituiu a referência a juros moratórios por uma referência genérica a juros. E o fez corretamente, na medida em que os juros legais – tratados pelo capítulo do Código Civil em que está inserido o art. 406 – não são apenas moratórios.
Isso ocorre porque a taxa de juros legais também incide quando o pagamento de juros compensatórios decorre de presunção legal de que sejam devidos, ou quando sejam impostos por um comando legal, o que ocorre frequentemente. Nesses casos, na ausência de manifestação de vontade das partes, aplica-se a taxa de juros legais.
O exemplo mais comum de juros compensatórios presumidos como devidos pelo Código Civil são os do mutuário, nos mútuos com finalidade econômica (art. 591). Mas há diversos outros casos em que o pagamento de juros compensatórios é imposto pela lei, na ausência de manifestação de vontade.[15]
- O retrocesso do Projeto 04/2025
Acontece que, como dito de início, o Projeto de Lei 04/2025 ignorou a Lei 14.905 – e todos os benefícios por ela proporcionados –, ao propor alterar o art. 406 do Código Civil e seu parágrafo único, que passariam a ter a seguinte redação:
“Art. 406. Quando os juros moratórios não forem convencionados ou assim forem sem taxa estipulada, ou quando provierem de determinação da lei, serão fixados segundo a taxa mensal de 1% (um por cento) ao mês.
Parágrafo único. Os juros moratórios, quando convencionados, não poderão exceder o dobro da taxa prevista no caput.”
Como se vê, a proposta do Projeto 04/2025 é basicamente de reverter todos os avanços alcançados pelo Código Civil, pela evolução da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça e pela Lei 14.905.
A exposição justificativa do projeto sustenta que a proposta, quanto ao ponto, pretende resolver “as dúvidas insuperáveis que a redação do atual artigo 406 do Código Civil deixam (taxa Selic ou CTN?)”, que “precisavam de enfrentamento pela Subcomissão”. Trata-se, como se vê, de afirmação que ignora o fato de que as dúvidas, ditas “insuperáveis”, já haviam sido superadas, tanto pelo Superior Tribunal de Justiça quanto pela Lei 14.905.
Ainda segundo a exposição justificativa, foram oferecidas “aos relatores-gerais três possibilidades de taxas, sendo duas fixas e uma variável”. Por que razão, então, os relatores preferiram a taxa fixa à flutuante, aplicada universalmente, explicitamente acolhida pelo Código Civil, pelo Superior Tribunal de Justiça e pela Lei 14.905?
A resposta da exposição justificativa é tão simplória quanto equivocada: “A relatoria-geral entendeu que, por segurança jurídica, a taxa deveria ser fixa em um por cento ao mês, nos termos do atual artigo 161, § 1º, do CTN”. À lógica econômica, que deveria prevalecer quando se trata de estabelecer custos destinados a remunerar o capital não restituído ou emprestado, o Projeto 04/2025 preferiu a “segurança jurídica”, sem esclarecer no que ela é privilegiada por uma taxa fixa. Terá a maior simplicidade do cálculo aritmético seduzido os autores do projeto?
Pior ainda é que o retorno ao modelo da taxa fixa se faria pela volta da referência a juros moratórios no art. 406 – deixando, assim, sem tratamento expresso os juros compensatórios decorrentes de disposição legal. E tudo isso sem considerar a nova redação do art. 591 do Código, dada pela Lei 14.905, que tornou livre a estipulação de juros nos contratos de mútuo.
Dessa combinação resultaria que os juros compensatórios nos contratos de mútuo poderiam ser livremente fixados, mas os juros de mora não poderiam exceder 12% ao ano, de sorte que o devedor que não pagasse a dívida poderia ser premiado com uma redução da taxa de juros, se os juros compensatórios contratados fossem superiores a 12% ao ano.
- Conclusão
Como se vê, quanto ao tema dos juros o equívoco do Projeto de Lei 04/2025, ao manter os termos do Anteprojeto que lhe deu origem, é tão flagrante que poderia ser atribuído ao esquecimento (ou mesmo à ignorância) de que entre o Anteprojeto e o Projeto sobreveio uma lei federal (a Lei 14.905) tratando adequadamente do tema.
De todo modo, seja mesmo o resultado de um lapso, seja fruto da renitência na adoção de uma solução anacrônica e antieconômica, o Projeto de Lei 04/2025, quanto ao tema dos juros, não merece prosperar.
** Advogado. Professor no Departamento de Direito da PUC-Rio.
[1] Exposição Justificativa do Projeto de Lei 1.086 de 2022, disponível em https://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento?dm=9137659&ts=1726951888585&disposition=inline, consulta em 01/04/2025. O Projeto de Lei 1.086 de 2022, de autoria do Senador Pacheco, então presidente do Senado, tramitou em conjunto com o Projeto de Lei 6.233 de 2023, do Poder Executivo, e dessa tramitação conjunta é que resultou a Lei 14.905. Na mesma justificação, o Senador Rodrigo Pacheco chamava atenção para as “graves inseguranças advindas, de um lado, da falta de atualização da legislação vigente relacionada à correção monetária e aos juros de mora e, de outro, das interpretações conflitantes conferidas às normas atuais pelos diversos órgãos e instâncias do Poder Judiciário”.
[2] É o que estabelece o art. Art. 407 do Código Civil: “Ainda que se não alegue prejuízo, é obrigado o devedor aos juros da mora que se contarão assim às dívidas em dinheiro, como às prestações de outra natureza, uma vez que lhes esteja fixado o valor pecuniário por sentença judicial, arbitramento, ou acordo entre as partes”.
[3] Assim estabelecia o caput do art. 591 do Código Civil em sua redação original (“Art. 591. Destinando-se o mútuo a fins econômicos, presumem-se devidos juros, os quais, sob pena de redução, não poderão exceder a taxa a que se refere o art. 406, permitida a capitalização anual”. Sobre o campo de extensão dessa norma, antes da edição da Lei 14.905, veja-se TRINDADE, Marcelo. Apontamentos sobre os juros nas obrigações pecuniárias, in TERRA, Aline de Miranda Valverde; GUEDES, Gisela Sampaio da Cruz. Inexecução das obrigações: pressupostos, evolução e remédios, vol. II, Rio de Janeiro: Processo, 2021, pp. 184-194.
[4] Como informa Leonardo Mattieto, a discussão sobre a adoção de uma taxa variável de juros da mora, em substituição à taxa fixa do Código de 1916, foi explícita e intensa no Anteprojeto de 1972, na sua revisão em 1973 e na discussão do Projeto 634-B de 1975, que veio a redundar no Código Civil vinte e sete anos depois, tendo Miguel Reale destacado que o “Art. 406 do Projeto prudentemente se reporta a uma taxa variável, fácil e objetivamente apurável”, e o Relator-Geral, Josaphat Marinho, sustentado o ponto de vista que terminou prevalecendo, no sentido de que “uma lei de caráter permanente, como o Código Civil, só excepcionalmente deve conter referência a um número absoluto” (MATTIETO, Leonardo. Os juros legais e o art. 406 do Código Civil in Revista Trimestral de Direito Civil, vol. 15, Rio de Janeiro: Padma, 2003, pp. 92 e 93).
[5] Sobre os regimes legais dos juros no direito comparado, ver MATTIETO, Leonardo. Os juros legais e o art. 406 do Código Civil, cit., pp. 91 e 92, com breve análise dos regimes vigentes em França, Alemanha, Itália e Portugal, e SCAVONE JUNIOR, Luiz Antonio. Juros no Direito Brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 5ª ed., 2014, pp. 53 a 73, com uma análise dos modelos vigentes naqueles mesmos países, e ainda nos Estados Unidos, Inglaterra, Espanha e Suíça.
[6] Isso mesmo diante de leis posteriores ao Código Tributário Nacional, em grande parte já vigentes quando da promulgação do Código Civil de 2002, que haviam substituído aquela taxa fixa por outra, flutuante, consistente na variação da taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e Custódia – Selic: Art. 13 da Lei 9.065/95; Art. 84 da Lei 8.981/95; Art. 39, § 4º, da Lei 9.250/95, Art. 61, § 3º, da Lei 9.430/96 e 30 da Lei 10.522/02.
[7] Foram necessários alguns anos até que a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça se consolidasse, o que ocorreu pelo menos a partir do julgamento pela Corte Especial, em 08/09/2008, dos Embargos de Divergência em Recurso Especial 727.842/SP (Rel. Min. Teori Zavascki).
[8] Sob o rito dos recursos especiais repetitivos, o STJ firmou as seguintes teses: “A taxa de juros moratórios a que se refere o art. 406 do CC/2002 é a taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e Custódia – SELIC” (Tema 112/STJ), “que não pode ser cumulada com a aplicação de outros índices de atualização monetária” (Tema 99/STJ). O entendimento voltou a ser confirmado pela Corte Especial no julgamento, em 21/08/2024, do Recurso Especial 1.795.982/SP (Relator para o Acórdão o Min. Raul Araújo). No julgamento desse recurso especial – que fora iniciado em março de 2023 e no qual foram ouvidas, como amicus curiae, diversas entidades governamentais e da sociedade civil – o Ministro Luís Felipe Salomão levantara questões de ordem sobre a nulidade do julgamento e a necessidade de esclarecimentos sobre questões relativas à aplicação da Taxa Selic, as quais foram posteriormente consideradas prejudicadas “em razão do advento da Lei nº 14.905/2024”, encerrando-se assim o julgamento.
[9] Continuaram sem solução, entretanto, as questões decorrentes de continuarem a conviver a norma do art. 591 do Código Civil, limitando os juros compensatórios nos contratos de mútuo à taxa legal do art. 406; a norma do art. 1º da Lei da Usura limitando a taxa estabelecida em quaisquer contratos a 12% ao ano; e a Lei 4.595 de 1964, que afasta a limitação de juros nos contratos celebrados com instituições financeiras. Sobre os problemas decorrentes do convívio entre essas normas conflituosas, veja-se MARTINS-COSTA, Judith. O regime dos juros no novo direito privado brasileiro, in Revista da Ajuris, Porto Alegre : Ajuris, v. 34, n. 105, 2007, p. 238.
[10] Ainda que, a nosso ver, o ideal tivesse sido eliminar a incidência de correção monetária por índice de inflação, e estabelecer apenas a incidência da taxa de juros, como ocorre na maioria dos países.
[11] Anote-se que o §3º acrescentado ao mesmo art. 406 do Código Civil pela Lei 14.905 determina que na hipótese de a operação descrita no §1º do art. 404 apresentar “resultado negativo, este será considerado igual a 0 (zero) para efeito de cálculo dos juros no período de referência”. Assim, os juros serão necessariamente líquidos da correção monetária, que continuará incidindo no período mesmo que os juros sejam iguais a zero.
[12] Pelas razões que expusemos em TRINDADE, Marcelo. Apontamentos sobre os juros nas obrigações pecuniárias, cit..
[13] Cf. o art. 3º da Lei 14.905 de 2024. O mesmo artigo afasta expressamente a incidência da Lei da Usura sobre obrigações “contraídas perante” … “instituições financeiras e demais instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil”, “sociedades de arrendamento mercantil e empresas simples de crédito” e “organizações da sociedade civil de interesse público de que trata a Lei nº 9.790, de 23 de março de 1999, que se dedicam à concessão de crédito”, o que nos parece desnecessário, por se tratar de negócios já submetidos ao regime especial da Lei 4.595, de 1964. Sobre o tema, conferir [Judith] e [MT].
[14] De fato, não faria qualquer sentido aplicar uma limitação à liberdade de fixar juros na ausência de leis especiais. A Lei da Usura em tese se aplica a todos os contratos. E assim também o Código Civil, que lhe é posterior, tanto quanto a Lei 14.905 e, portanto, revogou a Lei da Usura. Por isso é criticável a norma do art. 3º da Lei 14.905, na medida em que, ao determinar a não aplicação da Lei da Usura às situações que menciona, dá a entender que aquela norma ainda teria campo de aplicação residual quanto às taxas de juros, o que não nos parece correto, pelas razões que expusemos em TRINDADE, Marcelo. Apontamentos sobre os juros nas obrigações pecuniárias, cit.
[15] É o caso dos juros devidos pelo mandante, quanto às quantias adiantadas pelo mandatário (art. 677); pelo comitente, quanto às despesas que o comissário houver adiantado para cumprimento das ordens (art. 706, primeira parte); pelo dono, quanto às despesas “necessárias ou úteis” feitas pelo gestor de negócio (art. 869); e pelo usufrutuário, quanto às despesas feitas pelo dono da coisa, que sejam necessárias à conservação ou que aumentem o rendimento da coisa usufruída (art. 1.404).