Giovanni Ettore Nanni[1]

 

Entre os corolários decorrentes da mora (art. 395, caput, CC) e do inadimplemento absoluto (art. 389 CC), também previstos nas perdas e danos nas obrigações de pagamento em dinheiro (art. 404, caput, CC) e nas arras (art. 418 CC), os honorários de advogado consistem em verba, devida ao credor, que suscita controvérsia. Assim, o propósito do texto, de cunho prático, é expor o posicionamento que se entende correto no assunto.

No domínio da inexecução em sentido amplo, no que se inclui a mora e o inadimplemento absoluto, é sabido que toca ao devedor reparar os danos daí decorrentes, visto que se aplica o preceito da reparação integral, pelo que há de ser indenizado todo o prejuízo que seja consequência direta e imediata da não realização da prestação pactuada.

Ocorrido o incumprimento, o lesado invariavelmente busca a assessoria de advogado, ou, mais comumente, de sociedade de advogados, para defesa de seus interesses. Isto é, dado que o surgimento do conflito é iminente, o credor contrata causídico para tentar obter a satisfação do débito, seja por via amigável, em reuniões de negociação ou em procedimento de mediação, seja por via litigiosa, em processo judicial ou arbitral. Em qualquer uma das situações, é inconteste que há o engajamento de profissional para sua representação, tendo a parte inocente que desembolsar recursos para a remuneração dessa assistência jurídica.

Subsiste, destarte, inegável relação de causa e efeito entre o descumprimento e os valores despendidos no pagamento do profissional contratado para assisti-lo. Isso porque, caso a dívida tivesse sido adimplida conforme ajustado, o credor não teria incorrido em gastos com honorários advocatícios contratuais. Consequentemente, tal quantia ingressa no cômputo a ser ressarcido pelo obrigado, conforme estatuem os artigos do Código Civil acima citados. Trata-se do que se intitula honorários advocatícios contratuais.

Haja vista a sinonímia, convém ressaltar que a expressão legal honorários de advogado congrega mais de um tipo. Pela leitura do artigo 22, caput, do Estatuto da Advocacia, Lei nº 8.906/1994[2], constata-se a existência de três espécies de honorários advocatícios, quais sejam: a) os convencionais; b) os sucumbenciais; c) os arbitrados judicialmente. Embora todos tenham como objetivo a remuneração do labor realizado pelo advogado, eles não se confundem, visto que têm origem e regramentos distintos[3].

Os convencionais são aqueles ajustados entre o cliente e o advogado, por ocasião da contratação dos serviços jurídicos; os sucumbenciais são fixados judicialmente em favor do vencedor; os arbitrados são estabelecidos pelo juiz, em ação de arbitramento, quando não há definição contratual do montante devido ao causídico.

A hipótese aqui versada reporta aos honorários convencionais ou contratuais, mas que, no final das contas, pode igualmente abranger os honorários por arbitramento, caso o credor não ajuste com o advogado a quantia a ser paga pela atuação oriunda da inexecução por parte do devedor, surgindo, daí, conflito no que tange à sua estipulação.

É também indispensável registrar que não se cuida de honorários de sucumbência. Isso porque são devidos ao advogado do vencedor da causa (art. 85, caput, CPC), ou seja, por disposição de lei dependem do êxito na demanda e pertencem ao advogado, o qual tem direito autônomo para executar a sentença nesta parte, podendo requerer que o precatório, quando necessário, seja expedido em seu favor (art. 23 da Lei nº 8.906/1994). Constituem direito do advogado e têm natureza alimentar, com os mesmos privilégios dos créditos oriundos da legislação do trabalho, sendo vedada a compensação em caso de sucumbência parcial (art. 85, § 14, CPC).

Uma vez que os honorários de sucumbência são de titularidade do advogado que patrocina os interesses do vencedor da demanda – salvo distribuição proporcional –, provenientes do Direito Processual Civil, é intuitivo que não ressarcem o credor lesado pelo inadimplemento, que não é reembolsado pelo que gastou com a remuneração do causídico contratado. Por isso, o comando contido nos artigos 395, caput, 389, 404, caput, e 418 do Código Civil não compreende os honorários de sucumbência, só os contratuais.

Para ilustrar, basta indicar o exemplo: a mora no pagamento da quantia de R$100.000,00, em que o credor gasta R$10.000,00 na contratação de advogado. O devedor deve ressarcir ao prejudicado pela inexecução o montante de R$110.000,00, além de juros e correção monetária; a verba sucumbencial de R$10.000,00 é paga ao causídico, pelo que o obrigado há de quitar o total de R$120.000,00. Caso não se trate de dívida de dinheiro, mas, verbi gratia, de obrigação de dar ou de fazer, o raciocínio é o mesmo.

A jurisprudência perante o Superior Tribunal de Justiça tem oscilado quanto ao cabimento do reembolso ao credor dos honorários contratuais. Por vezes, é tratado no contexto de honorários de sucumbência em variados aspectos[4], sendo, assim, negado; contudo, há precedentes reconhecendo tal direito[5].

Tendo em consideração a limitação de espaço no presente texto, não é cabível refutar aqui os principais pontos contrários ao ressarcimento dos honorários contratuais na hipótese de inexecução. Nesse sentido, remete-se ao que se escreveu antes[6]. Seja como for, é imperioso endossar a posição de Rogerio Licastro Torres de Mello[7], porque negar, como faz parte da jurisprudência, o reembolso dos honorários advocatícios contratuais ao credor que se viu obrigado ao ajuizamento de uma ação e, portanto, teve que contratar advogado, é a um só tempo premiar, de certa forma, o devedor inadimplente com minoração dos prejuízos por ele diretamente causados em virtude de sua mora, e manter o credor em situação de dano, ainda que parcial, dado que teve que despender valores com a contratação de seu advogado por força da conduta inadimplente do devedor.

Explique-se, outrossim, que inexiste duplicidade a ser paga pelo obrigado inadimplente. Por determinação legal, os honorários de sucumbência são devidos ao advogado. Os contratuais, ao credor, a título de reembolso. Os respectivos valores não são destinados à mesma pessoa nem pelo mesmo desígnio. O primeiro é instituto característico da lei processual. O segundo traduz instituto obrigacional relativo à reparação das perdas e danos.

Portanto, à luz da noção da reparação integral, a rubrica expressa nos artigos 395, caput, 389, 404, caput, e 418 do Código Civil consiste nos honorários contratuais, a saber, reembolsar o credor pelo que gastou na contratação de advogado ou sociedade de advogados, motivado pelo fato de o devedor não ter cumprido a sua obrigação. Nada mais é do que uma espécie de dano ressarcível.

Sendo assim, é exigível a prova do prejuízo sofrido, cujo ônus cabe ao credor. Deve comprovar a contratação profissional e a quantia gasta, em geral por meio da juntada do contrato de honorários e dos respectivos instrumentos de quitação, em outros termos, dos recibos de pagamento, cuja prática é a apresentação dos comprovantes de transferência bancária, sem prejuízo de outros meios probatórios, se assim for preciso.

A consumação do prejuízo independe da instauração de provimento jurisdicional, sendo, na verdade, dele desvinculado. O que torna o dispêndio com honorários advocatícios verba indenizável não é o início do procedimento de mediação, o ajuizamento da ação nem a instauração da via arbitral, mas a efetiva expensa da quantia na remuneração do profissional designado e sua atuação no caso concreto, em função da inexecução. Se houver disputa litigiosa, o gasto tende a ser mais acentuado.

Como as demais espécies de perdas e danos, o pedido de reembolso dos honorários advocatícios contratuais depende de pedido a ser formulado pelo credor na petição inicial ou em reconvenção. De maneira similar, há de se pleitear em procedimento arbitral na celebração do termo de arbitragem, em alegações iniciais ou em pedido contraposto, conforme o caso.

[1] Livre-Docente, Doutor e Mestre em Direito Civil pela PUC-SP. Professor de Direito Civil nos Cursos de Graduação e de Pós-Graduação Stricto Sensu na PUC-SP, na qual também exerce atividades docentes ligadas à Arbitragem e à Mediação. Foi Presidente do Comitê Brasileiro de Arbitragem – CBAr (2018-2021) e do Instituto de Direito Privado – IDiP (2010-2017). Advogado, atua como árbitro e consultor jurídico.

[2] “Art. 22. A prestação de serviço profissional assegura aos inscritos na OAB o direito aos honorários convencionados, aos fixados por arbitramento judicial e aos de sucumbência.”

[3] ALVIM, Arruda. Manual de direito processual civil: teoria geral do processo, processo de conhecimento, recursos, precedentes. 18. ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2019, p. 415.

[4] EREsp nº 1.507.864 – RS, Relatora Ministra Laurita Vaz, data de julgamento 20/04/2016, DJe 11/05/2016; EREsp nº 1.155.527 – MG, Relator Ministro Sidnei Beneti, data de julgamento 13/12/2012, DJe 28/06/2012; AgInt no AREsp nº 1.418.531 – SP, Relator Ministro Luis Felipe Salomão, data de julgamento 15/08/2019, DJe 20/08/2019; AgInt no AREsp nº 1.449.412 – SP, Relator Ministro Raul Araújo, data de julgamento 19/09/2019, DJe 09/10/2019; AgInt no REsp nº 1.519.215 – SP, Relator Ministro Antonio Carlos Ferreira, data de julgamento 29/08/2017, DJe 05/09/2017; AgRg no REsp nº 1.539.014 – SP, Relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, data de julgamento 03/09/2015, DJe 17/09/2015; AgRg no AREsp nº 477.296 – RS, Relator Ministro Antonio Carlos Ferreira, data de julgamento 16/12/2014, DJe 02/02/2015; AgRg no AREsp nº 516.277 – SP, Relator Ministro Marco Buzzi, data de julgamento 26/08/2014, DJe 04/09/2014.

[5] AgRg no REsp nº 1.410.705 – RS, Relator Ministro Humberto Martins, data de julgamento 10/02/2015, DJe 19/02/2015; AgRg nos EDcl no REsp nº 1.412.965 – RS, Relator Ministro Sidnei Beneti, data de julgamento 17/12/2013, DJe 05/02/2014; REsp nº 1.134.725 – MG, Relatora Ministra Nancy Andrighi, data de julgamento 14/06/2011, DJe 24/06/2011; REsp nº 1.027.797 – MG, Relatora Ministra Nancy Andrighi, data de julgamento 17/02/2011, DJe 23/02/2011.

[6] NANNI, Giovanni Ettore. Inadimplemento absoluto e resolução contratual: requisitos e efeitos. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2021, p. 388-396.

[7] MELLO, Rogerio Licastro Torres de. Honorários advocatícios: sucumbenciais e por arbitramento. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2019, p. 54.