Apresentação dos Organizadores*

Judith Martins-Costa

Fabio Floriano Melo Martins

Mariana Conti Craveiro

Rafael Branco Xavier

“A lei comanda, mas não teoriza. Aproveitar reformas para fazer doutrina é inadequado. Apenas em questões sérias, nas quais se imponha fixar soluções legais, se devem encarar acertos pontuais. Impõe-se, ainda, uma atenção reforçada: dada a natureza sistemática do Direito, um acerto pontual pode ter efeitos em bola de neve, operando o efeito borboleta”[1]

(António Menezes Cordeiro)

O que é um Código Civil?

Muitas têm sido as respostas dadas, ao longo da História Moderna, a essa questão, convergindo, todas, a um mesmo ponto: um Código não é um agrupamento de regras, nem mesmo a consolidação, mais ou menos organizada, de várias leis sobre uma determinada relação jurídica e temas que lhe são conexos. Um Código é um sistema[2], é dizer, um conjunto harmonioso de regras atinentes a determinadas relações jurídicas já devidamente testadas na experiência histórica, a harmonia sistemática resultando de uma ordenação jurídica valorativa e conceitualmente unificada entre princípios e regras logicamente articulados em uma determinada estrutura normativa.

Por consequência, um Código não pode ser elaborado como uma algaravia montada em uma estrutura capenga, suas disposições debatendo-se umas contra as outras em assintonia e em fossos lógicos. Seus conceitos, devendo vir expressos na mais precisa, testada e refinada linguagem jurídica, não podem se apresentar como um discurso coloquial, desigual, antinômico, quer nos termos empregados, quer nos valores que os termos visam a expressar. Em uma lei central como o é o Código Civil, deve ser empregada linguagem “em que, a par da sobriedade e da clareza, se utilizem rigorosamente os termos técnicos da ciência do direito, atribuindo-lhes sempre o sentido que tem nela (…)” porque as expressões populares, a linguagem coloquial, “são necessariamente imprecisas, pela natural variedade de significados que podem comportar”[3], sendo esse cuidado especialmente importante quando a tarefa é a de reformar um Código Civil.

Além do mais, seu conteúdo deve refletir o que já está relativamente assentado na experiência social, pois um verdadeiro Código é feito para acalmar, confirmando expectativas legítimas dos seus destinatários e não para subverter certezas jurídicas, provocando insegurança e litigiosidade[4]. Novidades tomadas por seu valor de face, soluções insitamente passageiras (como aquelas referentes às novas tecnologias) ou ainda não consensuais em jurisprudência, bem como institutos que só têm sentido e função em diversas culturas jurídicas não são a matéria com a qual se tece um Código Civil.

No entanto, o Projeto de Lei 4/2025 (“PL 4/25” ou “Projeto”), apresentado como “Anteprojeto para a Atualização do Código Civil” à sociedade brasileira em abril de 2024[5], é trabalho que, muito infelizmente, embora se queira como um “novo código” (vindo assim tratado por alguns de seus elaboradores) reúne em um mesmo corpus todos os defeitos  acima mencionados, aos quais acrescem a desnecessidade (pois a sociedade brasileira ainda está a se acostumar com o Código Civil de 2002); a assistematicidade (em parte atribuível, entre outros fatores, ao curto tempo de desenvolvimento dos trabalhos); a insegurança jurídica (causada tanto pelo fato de uma mudança tão abrangente, com alteração de mais de 1.200 artigos, quanto pelo extraordinário número de expressões indeterminadas empregadas no seu texto); e o custo econômico (uma vez que os imensos impactos econômicos do PL 4/2025 não foram estimados nem antes – como deveria ter ocorrido – nem depois de sua entrega formal ao Presidente do Senado Federal, já tendo sido alertado: “não houve nem mesmo o cuidado de se tentar estimar ou quantificar o grande impacto econômico que uma alteração dessa magnitude representará diante dos significativos custos que, especialmente governos e empresas, terão de suportar para se adaptarem às novas regras”[6]).

A esse Projeto desnecessário, assistemático, fonte de insegurança jurídica e presumivelmente de elevado custo econômico, acrescem muitos outros defeitos de ordem técnico-jurídica.

Tendo em mente os alertas de Moreira Alves e de Pires de Lima, acima reproduzidos[7], vêm logo à mente indicar, de modo apenas exemplificativo (pois os exemplos estão abordados de  modo mais detido nos artigos componentes deste Livro) alguns dos problemas do PL 4/2025, iniciando pela sua incontornável prolixidade. Linguagem prolixa é via para dúvidas interpretativas, insegurança e abarrotamento dos tribunais pelos problemas que inevitavelmente suscita.

Assim ocorre, por exemplo, quando no PL 4/2025 se empregam várias palavras para expressar uma mesma ideia, como ocorre com o conceito central de ilicitude[8]; ou se usa, para expressar a ideia, assentada e indiscutida, de relação jurídica, a de situação jurídica, às vezes a confundindo com a ideia de fato jurídico, como está no artigo 2.027-S do Livro do Direito Digital, ou quando se privilegia – como é feito, em desiguais medidas, em todos os Livros componentes do PL 4/2025 – linguagem coloquial, que não é sinônimo de “linguagem simples”, é o antônimo de linguagem técnica, e, portanto, mais acurada e precisa. Anotem-se alguns outros exemplos.

As “relações jurídicas experimentadas (sic) por uma ou mais pessoas”, do texto proposto no art. 91; os “atos existenciais da vida civil”, do projetado art. 15-A.; os animais “que compõem entorno (sic) sociofamiliar da pessoa” (do previsto art.19). Note-se o emprego descurado da linguagem técnica também ao enunciar que o intérprete deve considerar as funções dos tipos contratuais, “cada um com suas peculiaridades” (art. 421-A), ou, ainda, ao definir, na responsabilidade civil, critério de imputação estabelecido pela “atividade, mesmo sem defeito e não essencialmente perigosa” que “induza, por sua natureza, risco especial e diferenciado (sic) aos direitos de outrem”, a ser avaliada, “entre outros” critérios, pela estatística e pelas máximas de experiência, como está no art. 927-B, § 1º.

Ademais, são fonte de insegurança e de provável tumulto nos foros e nos tribunais, em outro exemplo, propostas claramente assistemáticas. Assim, e.g., a alteração do art. 1.634 para estabelecer que os pais, no exercício do poder familiar, devem “fiscalizar as atividades dos filhos no ambiente digital”. Caberia perguntar: somente no ambiente digital, e não no físico? Somente as atividades, definidas no art. 185-A como “série de atos coordenados com um fim em comum”, e não os atos isolados[9]? E o que dizer das contradições sistemáticas que perpassam a disciplina da responsabilidade civil[10]? Se as regras sobre exceção de contrato não cumprido, exceção de inseguridade e de “quebra antecipada do contrato não incidem “aos contratos de consumo”, como está no novo art. 478, §5º, há de se entender que quando não houver afastamento, o Código de Defesa do Consumidor incide[11]?

Do mesmo modo, é de inegável ausência de acurácia e de precisão técnica – sendo causa de presumível litigiosidade, a abarrotar tribunais – a existência de contradições valorativas. Assim ocorre, também por exemplo, quando em regras altissonantemente retóricas se afirma dever interpretar e aplicar as disposições legais com o fim de estimular “o empreendedorismo” e incrementar “um ambiente favorável ao desenvolvimento dos negócios”, respeitando a livre iniciativa (art. 966-A), mas se determina uma espécie de “consumerização” do Direito dos Contratos, repartido em confusíssima e inédita (em termos de História e de Direito Comparado) classificação, no âmbito de um Código Civil, entre contratos civis, de adesão, paritários, não paritários, empresariais, simétricos e assimétricos[12], nos artigos 421, § 1º e 421-C. Ou quando, sob o pretexto de valorizar a autonomia privada, o Projeto promove a insegurança jurídica[13]. Similar expansão excessiva nos poderes do intérprete e aplicador da Lei contradiz – em mais um exemplo – a suposta autonomia privada nas mudanças sugeridas ao Direito das Sucessões[14].

O Congresso vem de recentemente aprovar nova lei do contrato de seguros, no final de 2024 (Lei 15.040/24), após mais de 20 anos de tramitação, em exemplar processo de elaboração legislativa, marcado pelo amplíssimo debate com autorizados doutrinadores nacionais e internacionais travado em vários encontros acadêmicos, e pelo igualmente amplo debate desenvolvido, ao longo desse tempo, com entidades representativas de segurados consumidores e seguradoras[15]. Se aprovado o Projeto 4/2025, haveria repristinação dos artigos 757 a 779, em sua nova roupagem introduzida pelo Projeto? Como falar em segurança jurídica com uma mudança tão repentina sobre outra mudança tão recente? Assim também se diga relativamente à Lei 14.905/24, do mês de junho, que dispôs sobre atualização monetária e juros, temas carecedores de estabilidade, pois são fulcrais à economia nacional: com a aprovação do Projeto, os critérios seriam novamente alterados?

É fonte da mais profunda insegurança jurídica – e, igualmente, será causa de prováveis demandas ao Judiciário – o emprego maciço de linguagem indeterminada[16]. Conceitos indeterminados, cláusulas gerais, termos indefinidos, devem ser utilizados pelo legislador com a mais extrema parcimônia, e, de preferência, com o recurso àqueles já densificados pela atividade doutrinária secular, como ocorre com o conceito de boa-fé, seja a subjetiva, seja a objetiva, pois são, de per se, fonte de insegurança jurídica. No PL 4/2025, todavia, pululam as palavras camaleônicas, algumas conectadas a drásticos efeitos: por exemplo, estão sujeitos à nulidade – a mais grave sanção civil – os contratos que violarem a “confiança” e a “função social do contrato”, taxadas como normas de ordem pública (artigos 421, § 2º e 422-A), bem como a “boa-fé”, expressão utilizada sem nenhuma parcimônia e para as mais diversas eficácias – algumas, ignotas – em nada menos do que 32 artigos do PL 4/2025.

A propósito da função social do contrato, tema marcado por profundas discussões doutrinárias desde o advento do Código de 2002[17] e até hoje não pacificadas[18], foram acrescidas sete novas previsões[19], com caráter ainda mais genérico, adotando-se simplesmente a expressão “função social”. A repetição exacerbada da polêmica e polissêmica expressão, cujo significado normativo não é claro, promete ser fonte de extrema de insegurança[20]. Não se sabe sequer se essa função seria atribuída ao contrato ou a algum novo tema no Livro de Direito Digital[21].

Aliás, no Livro de Direito Digital, inédito em termos globais, imperam “neologismos impressionistas que ajudam a dar ares de ineditismo à proposta”[22], como, por exemplo, “auditabilidade”, “explicabilidade”, “rastreabilidade”, “usabilidade”, etc., termos destituídos de força normativa, simplesmente insertos no texto e apodados de “princípios”. Ou, ainda, palavras e expressões desvestidas de um correlato conceito jurídico, como “privacidade mental”, “liberdade cognitiva” ou “neurodireitos”. A “inovação destruidora”, “inovação por inovação”denunciada em outros campos por Luc Ferry, atinge também o Direito Civil[23].

Como se fosse pouco, o PL 4/2025 repete, em idênticas ou em novas formulações, o que já está regrado no próprio Código Civil, na Constituição, na Lei Geral de Proteção de Dados (Lei 13.709/2018), no Marco Civil da Internet (Lei 12.965/2014), no Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/1990), na Lei de Propriedade Industrial (Lei 9.279/1996) e na Lei de Direitos Autorais (Lei 9.610/1998), sem estabelecimento de regras, requisitos e critérios que ofereçam a mínima segurança ao aplicador da lei e aos seus destinatários. E elenca – como se tratasse de um livro de doutrina ou ementa de disciplina escolar – os “fundamentos da disciplina denominada direito civil digital”, arrolando-os em ordem sequencial, invadindo competências – pelo mínimo – da Constituição Federal, como o faz, em outro candente exemplo, já o seu artigo 1º, ao dispor sobre a “personalidade internacional” em regra inédita em termos de Direito Comparado, e que, ao fim e ao cabo, parece supor que um Código Civil pode impor regras à comunidade internacional[24].

Há, por igual, fundas antinomias – outra fonte de divergências e de insegurança – ao se estabelecer que a “violação da boa-fé” suscita, ao mesmo tempo, a invalidade e o inadimplemento de contratos, bastando, para assim concluir, combinar as regras dos artigos 422-A e 166, VI[25]. Como exemplo de contradição flagrante, no livro de Direito de Família, está a redação proposta para o art. 1.560, III, do CC (prazo de três anos para anulação do casamento), que remete ao art. 1.557, o qual será, todavia, revogado pelo mesmo PL 4/2025. Ou como deriva da redação proposta aos artigos 1.571-A e 1.576-A, ambos a regular, em redação muito semelhante, a cessação dos deveres conjugais. Ou ainda os artigos 1.656-A e 1.653-A, os dois a tratar dos efeitos dos pactos conjugais no tempo, em redações parecidas, mas não idênticas, novamente suscitando dúvidas interpretativas[26]. Ou – recorrendo ao Direito da Empresa – que, após clara divergência entre a subcomissão e a relatoria geral, parece balançar “entre Dr. Jekyll e Mr. Hyde”, como metaforiza destacado professor[27].

Às empresas, especialmente, acrescem os custos com as inevitáveis demandas que receberão, quer pela confusa disciplina dos contratos, quer pela perigosa disciplina da responsabilidade civil, quer, enfim, pela preocupante disciplina do direito societário, recheada de “absurdidades” segundo autorizada voz doutrinária[28]. As mudanças no regime dos Fundos de Investimentos, cuja inserção no texto do Código Civil ocorreu em 2019, são açodadas, vindo a ensejar mudanças significativas na disciplina legal, “mesmo ausente diagnóstico claro, quanto menos um consenso, sobre a necessidade ou a conveniência de serem introduzidas”[29].

Na regulação da responsabilidade civil, tantos são os problemas de ordem técnica que se torna dificultoso sintetizá-los[30]. Basta, por ora, sublinhar o esmaecimento da função reparatória e o emergir de outras funções: por exemplo, a função de punir, no art. 944-A, § 3º (“sanção pecuniária de caráter pedagógico”) a 5º, em prolixos enunciados, uma “indenização punitiva” que poderá considerar a vida pregressa do lesante. E, ainda, a função restituitória, própria ao Direito Restituitório, estranha à Responsabilidade Civil, em quebra sistemática, pois a restituição pelo lucro do interventor já estava suficientemente albergada pela cláusula geral do art. 884[31], sendo agora prevista – incongruentemente – tanto no regramento dos atos unilaterais[32] quanto no da responsabilidade civil[33], como ocorre também em outra contradição sistemática, ao se prever o exercício do direito de regresso tanto no art. 942, § 2º, quanto no caput do art. 945[34].

Há regras inexplicáveis, dentre elas: por que acabar com o velamento do Ministério Público às fundações privadas (art. 66, § 1º e 2043-A)? Se a legítima já compreende a reserva hereditária, por que o testador poderá destinar até um quarto da legítima a descendentes e ascendentes considerados vulneráveis ou hipossuficientes (art. 1.846, parágrafo único)[35]?

A insegurança e a litigiosidade (com o aumento das demandas para um Judiciário já atolado em processos[36]), também podem se apresentar quando a harmônica estrutura do Código Civil é entortada ao se juntar – como um apêndice mal colado às cinco classes de relações jurídicas centrais do Direito Privado (obrigacionais, empresárias, reais, familiares e sucessórias) – ainda um Livro de Direito Digital, como se o suporte definisse a espécie de relação jurídica; como se, ao serem apresentados sob a forma escrita em papel ou no computador, restasse modificada a qualificação dos contratos. E ainda ocorre perguntar: como se articularão suas confusas regras e conceitos tão heterodoxos com o sistema comandado pela Parte Geral, também ela tecnicamente prejudicada pela linguagem atécnica, pelo emprego de conceitos exóticos e por contradições? E como será a conexão com o Direito dos Contratos, e o da Responsabilidade Civil?

E há, ainda, pretensas inovações, desnecessárias em face ao sistema jurídico brasileiro, como considerar o “critério de merecimento de tutela jurídica” causa de convalidação de contratos nulos (art. 169, § 2º)[37], ou como aquelas que recheiam a disciplina da responsabilidade civil, ao prever “indenização por dano indireto”[38]; a supressão do texto atual do art. 947[39]; a excessiva onerosidade como critério de prevalência da indenização em relação à reconstituição natural (art. 947, §1º); a negativa da ancianíssima regra sobre compensatio lucri cum damno, salvo nas abertas hipóteses de parecer ao aplicador da Lei “justo e razoável” (art. 946-B); a indecifrável “alternativa, a critério do lesado” entre a indenização por reparação dos danos patrimoniais e um “montante razoável correspondente à violação de um direito” (art. 944, §2º); e o cálculo do quantum indenizatório na responsabilidade patrimonial “por ponderação” (art. 927-B, §2º), e por uma multiplicidade de critérios, entre os quais o estatístico (art. 927-B, §1º). A refletida comparação jurídica, não para servir de imitação, mas de reflexão, foi deixada de lado[40].

Como se não bastassem todas essas “novidades”, em grande parte das regras foram mudados os tempos verbais de enunciados há muito tempo assentados e jamais questionados, ou foram substituídas palavras por sinônimos, em verdadeira “troca de seis por meia-dúzia”, como detectado por afamado doutrinador português, que enfatizou: “Os retoques linguísticos foram muito numerosos. Em si, eles pareceriam inóquos, pelo prisma da Ciência do Direito. Mas podem ter implicações na interpretação dos preceitos visados, com repercussões em cadeia. Já houve casos em que a mera alteração de uma vírgula pode alterar o sentido de uma norma”[41].

Tudo está a atestar, portanto, como temos alertado desde a fase de elaboração do  Anteprojeto (hoje, PL 4/2025)[42] e de sua posterior apresentação oficial, que essa empreitada é, para além de desnecessária – tanto que jamais reclamada pela sociedade brasileira – profundamente danosa à integridade do sistema jurídico – pelos muitos e reiterados erros técnicos que contém – e também danosa aos seus destinatários, quer pelo previsível aumento de litigiosidade que suas confusas regras podem gerar, quer pela profunda insegurança jurídica que virá a causar, fato ainda mais preocupante ao se considerar que o ano de 2023 terminou com 83,8 milhões de processos judiciais em tramitação[43].

Essa é a razão pela qual o Instituto de Estudos Culturalistas (IEC) e o Instituto de Direito Privado (IDiP) decidiram direcionar os estudos estampados em seu Boletim, de periodicidade quinzenal, ao exame crítico do então Anteprojeto – ora PL 4/2025 –, iniciativa abraçada com entusiasmo pela equipe do Canal Arbitragem, nosso parceiro na divulgação dos Boletins a quem muito agradecemos a generosa acolhida, e por uma plêiade de renomados juristas que se prontificaram ao esforço conjunto, na esperança de alertar os legisladores sobre a conveniência de não dar seguimento a uma iniciativa que tantos problemas e tantos custos tem gerado e estará a gerar se aprovada.

De fato, “tratando-se de um Código Civil, todas as cautelas são poucas”[44]. A que nos cabe, como juristas, é apontar as falhas que, tão graves e tantas, tornam o PL 4/2025 positivamente inaproveitável.

Nesse sentido, os estudos publicados no Boletim, por serem de leitura breve e direcionada a tópicos específicos da Reforma, acrescidos ainda por alguns outros escritos, publicados alhures, são ora reunidos e editados sob os auspícios da valorosa Editora Processo, por forma a oferecer à comunidade jurídica e aos responsáveis pelo processo legislativo a possibilidade de uma relativamente atempada reflexão.

Por fim, cabe-nos agradecer a Pietro Webber que além de ter contribuído com um estudo técnico a respeito da inadequação da proposta de regulação legal da cláusula de não concorrência[45], também contribuiu com invulgar dedicação aos aspectos editoriais deste Livro. E, ainda, somos gratos à acadêmica de Direito Giovana Petry e ao Bacharel Rafael Lenzi, que colaboraram com a revisão de aspectos formais dos textos que o compõem.

Canela/São Paulo, fevereiro de 2025

 

 

* Boletim IDiP-IEC, volume XLVII. Texto publicado como Apresentação de: Um Novo Código Civil? Análise crítica do PL 4/2025. Rio de Janeiro: Processo, 2025. Disponível em: https://www.catalivros.com.br/comprar/um-novo-codigo-civil-analise-critica-do-projeto-de-lei-4-2025/direto/5499. A maioria dos textos mencionados nesta Apresentação também foi publicada no Boletim IDiP-IEC, veiculado pelo Canal Arbitragem (canalarbitragem.com.br/#blog). As referências subsequentes indicam a paginação do livro.

[1] MENEZES CORDEIRO, António. Reestruturar a responsabilidade civil: bases e implicações Breves reflexões suscitadas pelo projeto de reforma do Código Civil brasileiro de 2002. CONJUR, 10 de novembro de 2024. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2024-nov-10/reestruturar-a-responsabilidade-civil-do-projeto-de-reforma-do-codigo-civil/. Acesso em 26.01.2025.

[2] Vide, nesta obra: FRADERA, Vera. O Anteprojeto de Reforma do Código Civil brasileiro, Codificação ou Recodificação, eis a questão!, p, 43.

[3] O primeiro e o segundo trecho entre aspas está em MOREIRA ALVES, José Carlos. A Parte Geral do Projeto de Código Civil brasileiro. 2a.ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 26, e o segundo também em PIRES DE LIMA, Fernando Andrade. A Reforma do Direito Privado Português. Boletim do Ministério de Justiça, n. 110, p. 33-57, nov., 1961, p. 29.

[4] Nesse sentido, alertamos em texto publicado na Folha de São Paulo ainda antes de conhecido o texto final do Anteprojeto. Vide: ARAUJO, Paulo Doron; GOZZO, Débora; MARTINS, Fábio; e MARTINS-COSTA, Judith. Preocupante, reforma do Código Civil pode trazer insegurança e litigiosidade. Folha de São Paulo, São Paulo, 14 de abril de 2024. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br

/opiniao/2024/04/preocupante-reforma-do-codigo-civil-pode-trazer-inseguranca-e-litigiosidade.shtml. Reproduzido a seguir, p. 53.

[5] Os textos constantes neste Livro, ora reunidos por assunto, também foram publicados no Canal Arbitragem (canalarbitragem.com.br/#blog), em sua maioria. Os estudos que compõem esta obra tiveram sua publicação autorizada pelos Autores. Embora alguns tenham sido publicados anteriormente – com referência aos trabalhos divulgados por Subcomissões – referem-se, majoritariamente, ao Anteprojeto. Não se tem ciência de diferenças de redação entre o texto a seguir apresentado como Projeto de Lei 4/2025, à exceção da sequência alfanumérica dos artigos propostos no Livro de Direito Digital.

[6] Assim FRAZÃO, Ana, GUEDES, Gisela Sampaio da Cruz; e PARGENDLER, Mariana em: O anteprojeto de reforma do Código Civil é adequado? NÃO. Enorme insegurança jurídica”. Folha de São Paulo, São Paulo, 24 de maio de 2024. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2024/05/o-anteprojeto-de-reforma-do-codigo-civil-e-adequado-nao.shtml. Transcrito neste livro, p. 57.

[7] As referências estão na nota 3, supra.

[8] Vide, exemplificativamente, artigos 186, 17, §2o, 932, VIII (ilicitude, ilícito e atividades ilícitas) e ainda a sinonímia – atividade ilícita ou irregular, além dos adjetivos que pretendem qualificar “espécies” de ilicitude, como a “potencial ilicitude”, constante de artigos não numerados do Livro do Direito Digital. Sobre a atecnia no emprego do termo no proposto artigo 1368-E, vide, nesta obra: YAZBEK, Otavio e LACAZ, Rafaela. Responsabilidade civil dos prestadores de serviços nos fundos de investimento: Análise da proposta sugerida pela Comissão de Juristas, p. 347.

[9] Vide DIVINO, Sthefano Bruno Santos; SECO, Thaís Fernanda Tenório, em: Inadequação sistemática das propostas de Direito Digital na Reforma do Código Civil, pp. 413, infra.

[10]  Veja-se, a seguir, GUEDES, Gisela Sampaio da Cruz. O perigo das implicações sistêmicas provocadas por reformas legislativas: o exemplo da proposta de reforma do art. 942 do Código Civil, p. 179. WESENDONCK, Tula. Inquietações sobre as propostas apresentadas pela Comissão responsável pela revisão e atualização do Código Civil (CJCODCIVIL) na disciplina de Responsabilidade Civil, infra, p. 169; e também: XAVIER, Rafael Branco. Remodelação Indesejada, p. 159, infra.

[11] Chamando a atenção ao problema, às divergentes propostas das Subcomissões, bem como a outros impactos intersistemáticos: FERREIRA DA SILVA, Luis Renato. A proposta da Comissão de Juristas para revisão do Código Civil e a Revisão dos Contratos, p. 223, infra.

[12] Nesta obra, vide TRINDADE, Marcelo, “A reforma do Código Civil e os contratos”, p. 211. Veja-se também a crítica em: SILVA FILHO, Osny. Paridade e simetria no Anteprojeto de Reforma do Código Civil. Revista Jurídica Profissional, Volume Especial, Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas, São Paulo, 2024, p. 193-205. Analisando a problemática repercussão da adoção dessa nova terminologia no regime da cláusula penal, vide, SEABRA, André Silva. Objeções ao Anteprojeto de Código Civil em matéria de cláusula penal, p. 129. Quanto aos problemas em relação à cláusula de limitação do dever de indenizar, vide, FERNANDES, Wanderley. A Limitação de Responsabilidade da Proposta de Reforma do Código Civil, infra, p. 191.

[13] WEBBER, Pietro Benedetti Teixeira. A licitude de cláusulas de não concorrência: sob o pretexto de valorizar a autonomia privada, o Anteprojeto de Código Civil promove a insegurança jurídica, p. 255. Também sobre problemas de segurança jurídica que afetam o Direito dos Contratos NITSCHKE, Guilherme Carneiro Monteiro. Primeira aproximação às propostas de alteração do Código Civil em matéria de “contratos”: o contrato preliminar (Parte I), p. 263 e Parte II, p. 273.

[14] Vide GOMES, Elena de Carvalho. O Direito das Sucessões no Anteprojeto de Reforma do Código Civil: Entre desjudicialização e hipertrofia dos poderes judiciais, infra, p. 393. Também chamando atenção para esse e outros problemas no Direito de Família e no Direito da Sucessões: COSTALUNGA, Karime. O Direito de Família e o Direito das Sucessões no Anteprojeto de Código Civil: estudo crítico de propostas de alterações, infra, p. 403.

[15] Neste volume, TZIRULNIK, Ernesto; GIANNOTTI, Luca. O projeto de lei de contrato de seguro (PLC 29/2017) a exemplo da regulação de sinistro, p. 283.

[16] Vide, especialmente: MARTINS-COSTA, Judith e GIANNOTTI, Luca. A ordem pública e o Projeto de Reforma do Código Civil [Parte I], p. 61 e, também, Parte II, p. 73, FERNANDES, Márcia Santana. O Livro de Direito Digital do Anteprojeto do Código Civil, ou a displicência legislativa como regra (Parte I), p. 423, e, também a Parte II, p. 435.

[17] Por todos, vide VILLELA, João Baptista, Apontamentos sobre a cláusula “… ou devia saber”, publicado originalmente em 2007, acessado na obra João Baptista Villela: obra selecionada, org. Juliana Cordeiro de Faria, Edgard Audomar Marx Neto, Elena de Carvalho Gomes, Júlia Vieira Froes, São Paulo: Dialética, 2023.

[18] MARTINS, Fábio, E agora, função social do contrato?, infra, p. 233.

[19] Arts. 1.361, caput; art. 1.361-A; 1.361-B; 2.027-S, § 2o; 2.027-T; 2.027-U; e 2.027- AQ, inc. VI.

[20] ARAUJO, Paulo Doron Rehder de. Função social do contrato: prenúncio de um futuro sombrio, a seguir, p. 243.

[21] (i) “Art. 2.027-S: §2o As situações jurídicas digitais estão submetidas, entre outras, às normas de direito contratual, direito do consumidor, direitos autorais, direitos de personalidade e de proteção de dados pessoais, à observância da boa-fé, da função social e da transparência, bem como às normas e termos de uso estabelecidos pelas plataformas e serviços digitais envolvidos, desde que não contrariem a legislação brasileira, sobretudo as normas cogentes ou de ordem pública.”; (ii) “Art. 2.027-T: As interfaces de aplicações digitais deverão possibilitar às pessoas a escolha livre e informada das transações realizadas no ambiente digital, não podendo ser projetadas, organizadas ou operadas de forma a manipular as pessoas, em violação à boa-fé objetiva e à função social.” e (iii) “Art. 2.027-U: É assegurado a todos o direito a um ambiente digital seguro e confiável, baseado nos princípios gerais de transparência, de boa-fé, da função social e da prevenção de danos.” “Art. 2.027-AQ. São princípios aplicáveis aos contratos celebrados por meios digitais: […] VI – função social do contrato: nos termos do que está assegurado nos arts. 421 e 2.035, parágrafo único, deste Código.”

[22] Assim percebem Sthefano Bruno Santos Divino e Thaís Fernanda Tenório Sêco, em: Inadequação sistemática das propostas de Direito Digital na Reforma do Código Civil, p. 413, infra.

[23] Com referências ao filósofo francês, vide, neste Livro, CACHAPUZ, Maria Cláudia. Outra codificação e a inovação destruidora, p. 447, infra.

[24] FONTOURA COSTA, José Augusto. Os tratados internacionais no anteprojeto da revisão do Código Civil. A necessidade de precisão técnica. 25.04.2024. JOTA. Disponível em: https://www.jota.info/artigos/os-tratados-internacionais-no-anteprojeto-da-revisao-do-codigo-civil.

[25] O tema recebeu a crítica de CASTRO NEVES, José Roberto. A violação da boa-fé como fator de ineficácia: uma vitória da segurança jurídica, p. 111.

[26] Vide ARAUJO, Paulo Doron. Multiparentalidade e poder familiar no anteprojeto de reforma do Código Civil: quando todo mundo manda, ninguém decide. A seguir, p. 371.

[27] Vide BARBOSA, Henrique, Novas objeções, em matéria societária, sobre o anteprojeto de reforma do Código Civil de 2002 (Parte I), nesta obra, p. 309. Vide, também, Parte II, p. 317.

[28] Vide GONÇALVES NETO, Alfredo de Assis. Algumas objeções, em matéria societária, sobre o Anteprojeto de Reforma do Código Civil de 2002 – Parte I, p. 293, a seguir. Veja-se, também, nesta obra, Parte II, p. 303.

[29] Assim está em RENTERIA, Pablo. A reforma do Código Civil e os Fundos de Investimento, a seguir, p. 327. Também nessa obra, sobre as mudanças relativas ao regime legal: AURIEMA, Leonardo Anthero; BOARETTO, Artur Silva. Lei 11.101/05 e Fundos de Investimento: Análise da Proposta contida no Artigo 1.368-E do Anteprojeto de Reforma do Código Civil, p. 335; e YAZBEK, Otávio, e FURLAN, Rafaela. Responsabilidade Civil dos Prestadores de Serviços nos Fundos de Investimento: análise da proposta sugerida pela Comissão de Juristas., p. 347.

[30] Vide MARTINS-COSTA, Judith. Conferência de Encerramento do Congresso Internacional de Responsabilidade Civil, organizado pelo Instituto de Direito Privado – IDiP e pela Associazione Civilisti Italiani – ACI., infra, p. 143.

[31] In verbis: “Art. 884. Aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários”. Vide, ainda: MICHELON, Cláudio. Direito Restituitório. Enriquecimento sem causa, pagamento indevido, gestão de negócios. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 184 e ss.

[32] “Art. 884, § 2o A obrigação de restituir o lucro da intervenção, assim entendida como a vantagem patrimonial auferida a partir da exploração não autorizada de bem ou de direito alheio, fundamenta-se na vedação do enriquecimento sem causa e rege-se pelas normas deste Capítulo.”

[33] “Art. 944, § 2o Em alternativa à reparação de danos patrimoniais, a critério do lesado, a indenização compreenderá um montante razoável correspondente à violação de um direito ou, quando necessário, a remoção dos lucros ou vantagens auferidos pelo lesante em conexão com a prática do ilícito.”

[34] Art. 942, §2o: “Havendo solidariedade, aquele que efetivar pagamento a prejudicado poderá exercer o direito de regresso contra os demais responsáveis, na proporção da sua participação para a causa do evento danoso”; Art. 945. “Se a vítima tiver concorrido para o evento danoso, a sua indenização será fixada tendo-se em conta a sua participação para o resultado em comparação com a participação do autor e de eventuais coautores do dano”. Outro exemplo, ainda, está no caput da proposta de inclusão do art. 944-B, segundo o qual: “[A] indenização será concedida, se os danos forem certos, sejam eles diretos, indiretos, atuais ou futuros”, dispositivo que está em flagrante contradição com o art. 403, segundo o qual: “Ainda que a inexecução resulte de dolo do devedor, as perdas e danos só incluem os prejuízos efetivos e os lucros cessantes por efeito dela direto e imediato, sem prejuízo do disposto na lei processual.”

[35] Vide GOZZO, Débora. Direito à legítima: de lege lata e “de lege ferenda”, infra, p. 383.

[36] O ano de 2023 terminou com quase 84 milhões de processos em tramitação, informação obtida no Relatório Justiça em Números, elaborado pelo CNJ, disponível em: https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2024/05/justi ca-em-numeros-2024.pdf, acessado em 26/01/2025.

[37] Vide, nesta obra: MARTINS-COSTA, Judith e DE CICCO, Maria Cristina. O art. 169, § 2o, do Projeto de Reforma do Código Civil, p. 103.

[38] A título ilustrativo de outros problemas em tema de responsabilidade civil, vide, nesta obra: GUEDES, Gisela Sampaio da Cruz, “O perigo das implicações sistêmicas provocadas por reformas legislativas: o exemplo da proposta de reforma do art. 942 do Código Civil”, nesta obra, p. 179.

[39] Criticada por BRANCO, Gerson. A garantia geral das obrigações no anteprojeto de Código Civil, a seguir, p. 121.

[40] WESENDONCK, Tula. Lições deixadas pelo processo de reforma do Código Civil francês na disciplina de Responsabilidade Civil, infra, p. 201. A desconsideração à experiência estrangeira também ocorreu quanto à interrupção da prescrição e seus reflexos na arbitragem, vide NUNES, Thiago Marinho. Interrupção da prescrição e reflexos arbitragem, segundo o anteprojeto de reforma do Código Civil, infra, p. 93.

[41] MENEZES CORDEIRO, António. Reestruturar a responsabilidade civil: bases e implicações Breves reflexões suscitadas pelo projeto de reforma do Código Civil brasileiro de 2002. Em: CONJUR. 10.11.2024. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2024-nov-10/reestruturar-a-responsabilidade-civil-do-projeto-de-reforma-do-codigo-civil/.

[42] Vide nota 5, supra.

[43] O dado foi extraído do relatório Justiça em Números de 2024 (data-base de 2023), acessado em 9.2.2025 no link: https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2025/02/justica-em-numeros-2024.pdf. Até a liberação deste texto para publicação não havia sido divulgado o relatório com data-base de 2024.

[44] MENEZES CORDEIRO, António. Reestruturar a responsabilidade civil: bases e implicações Breves reflexões suscitadas pelo projeto de reforma do Código Civil brasileiro de 2002. CONJUR, 10.11.2024. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2024-nov-10/reestruturar-a-responsabilidade-civil-do-projeto-de-reforma-do-codigo-civil/.

[45] WEBBER, Pietro Benedetti Teixeira. A licitude de cláusulas de não concorrência: sob o pretexto de valorizar a autonomia privada, o Anteprojeto de Código Civil promove a insegurança jurídica, p. 255.