Guilherme Carneiro Monteiro Nitschke**
Entremez
Procurei examinar panoramicamente, na primeira parte deste trabalho, a disciplina do “dano indenizável” dos acionistas na e a partir da Lei das S.As, de modo a avaliar se, caso “absolutamente tola”, merecia o “novo remédio para erisipelas” que vem defendido pelo art. 944-B do PL No. 4/2025. Nesta segunda parte, é o momento de adentrar em sua abordagem e ver se a droga é compatível com o organismo, ou se a dosagem é capaz de fazê-lo adoecer.
Cap. 2 – “Um novo remédio para erisipelas”? O art. 944-B e os “danos indiretos”
Ao admitir a indenizabilidade dos danos indiretos, a proposta de art. 944-B provocaria potencial choque sísmico na disciplina da Lei das S.As. O microssistema das sociedades anônimas não está isolado do Código Civil: pregar pura e simplesmente seu hermetismo seria atirar o problema pela porta e vê-lo retornar pela janela. Primeiro, porque ignoraria ser o Código Civil o centro do sistema de direito privado, para o mal e para o bem[1], no que vai incluída a disciplina geral da responsabilidade civil e, como partícula desta, o conceito de “dano indenizável”[2]; e segundo, porque já há quem se apoie no Código Civil para buscar a flexibilização da disciplina societária da responsabilidade (mesmo sem um art. 944-B vigente)[3]. Modificado o conceito de dano indenizável, o vagalhão redefinidor seria irresistível para os demais campos do direito privado.
Não se precisaria mais discutir sobre a pertinência de se editar um PL em matéria de proteção e reparação de acionistas minoritários lesados, ou de transplantar o modelo jurídico norte-americano da fraud-on-the-market. O art. 944-B ofereceria uma via expressa: daria quase tudo, sem exigir quase nada. O problema é que essa proposição padece de vários defeitos e traz consigo uma plêiade de riscos à segurança jurídica dos acionistas, das companhias e do mercado como um todo.
Primeiro, sob a perspectiva da disciplina geral da responsabilidade civil. Tem-se destacado que o art. 944-B é portador de muitas atecnias quando refere aos “danos indiretos”, uma vez que:
- sob o ponto de vista intrassistêmico, o art. 944-B produzirá contradição com o art. 403, que prevê a indenizabilidade de danos diretos e imediatos[4], salvo as restritas exceções que, por serem exceções, vêm explicitadas em lei;
- sob o ponto de vista histórico, o art. 944-B romperá com a longa tradição brasileira, que ancorou o modelo jurídico do nexo de causalidade na “Teoria do Dano Direto e Imediato”[5] e, assim, estabeleceu limite ao paradoxo da “cadeia indefinida de causas e efeitos”[6];
- sob o ponto de vista comparatista, o PL enxertará modelo jurídico de incerta proveniência, não revelando o proponente de onde extraiu a ideia de art. 944-B[7], o que seria fundamental para que se pudesse avaliar a afinidade entre tradições jurídicas, tanto quanto a utilidade e a necessidade do transplante à luz de seu conteúdo e suas funcionalidades de origem[8];
- ainda sob os pontos de vista histórico e comparatista, o art. 944-B fará inserir categoria de pouca maturação entre nós, uma vez que “dano indireto” pode tanto referir a gênero de que são espécies potenciais o “dano secundário”, o “dano remoto”, o “dano reflexo” e o “dano intermediado”, entre outras, quanto corresponder, em seu significado, a uma dessas figuras, apenas[9]. Se no início do século passado já se denunciava quanto ao “labirinto inextricável” que é trabalhar o conceito de “dano indireto”[10], o transcorrer da última centúria, ante a adoção tranquila da “Teoria do Dano Direto e Imediato”, fez tímida a doutrina e, hoje, pouco madura a categoria para ser inserida em um Código;
- e sob o ponto de vista de seu conteúdo e de sua função, o art. 944-B ampliará o nexo de imputação por reintroduzir uma variante da poeirenta doutrina da “equivalência das condições”[11], uma vez que, sendo causa ou condição, remota ou não, a conduta do administrador ou do controlador sempre se conectará ao resultado danoso, seja ele direto, seja ele indireto.
Calha registrar uma derradeira observação ainda sobre as repercussões na disciplina geral da responsabilidade civil.
Tem-se dito que as alterações propostas no PL correspondem ao que se foi consolidando nos enunciados das Jornadas de Direito Civil organizadas pelo Conselho da Justiça Federal desde 2002. Isso não é verdade para a figura dos “danos indiretos”: nenhum enunciado propôs interpretação que elastecesse os dispositivos vigentes, de modo a neles fazer caber a indenizabilidade geral de tais prejuízos. Os únicos enunciados que referem de algum modo ao tema são o 552 da VI Jornada de Direito Civil, que trata, em verdade, de “dano secundário”[12], fazendo-o em juízo de exceção; e o enunciado 560, também da VI Jornada, ao interpretar dispositivo que trata da indenização por homicídio[13] novamente em juízo de exceção: “[n]o plano patrimonial, a manifestação do dano reflexo ou por ricochete não se restringe às hipóteses previstas no art. 948 do Código Civil”. Para além dessas e de outras pontuais exceções[14], nenhum enunciado há a generalizar a indenizabilidade dos danos indiretos. Há tão-somente a regra geral de que os danos diretos são indenizáveis[15], rompida caso passe a viger o art. 944-B. Não se pode pregar ser regra geral o que é, na verdade, exceção.
Em segundo lugar, sob o ponto de vista do microssistema da Lei das S.As – que é o de maior interesse aqui –, o art. 944-B, se aprovado, produziria inconsistências de toda ordem e traria insegurança jurídica grave por uma diversidade de razões:
- sob o ponto de vista intersistêmico, o art. 944-B seria contraditório ao art. 159 §7º da Lei das S.As, que autoriza indenização aos acionistas apenas quando houver danos diretamente gerados ao seu patrimônio[16];
- sob o ponto de vista histórico, o art. 944-B romperia com a longa tradição do microssistema das sociedades anônimas, cujo modelo jurídico de nexo de causalidade se apoia na indenizabilidade dos danos diretos e imediatos. Isso vai demonstrado, e.g., pelo art. 123, Parágrafo Único, do revogado Decreto-Lei No. 2.627/1940[17], a exigir para a ação individual que o prejuízo fosse “causado ao acionista, particularmente”[18];
- sob o ponto de vista de seu conteúdo e de sua função, o art. 944-B ampliaria o nexo de imputação[19], uma vez que quaisquer prejuízos individuais indiretos dos acionistas (e.g., variações no valor da participação acionária ou distribuição a menor de dividendos) poderiam ser imputados à conduta praticada pelo administrador ou pelo controlador, a despeito, inclusive, da natureza do ilícito por este cometido (se tributário, concorrencial, penal ou de qualquer outra espécie);
- ainda sob o ponto de vista do conteúdo e da função, o dispositivo faria sem sentido debater sobre se a causalidade nos casos de “dano informacional” pode ser admitida apenas “por presunção”, uma vez que, indenizável o dano indireto, a presunção estaria consagrada em lei. Quero dizer: considerando que o modelo jurídico de nexo de causalidade tem como uma de suas funções determinar a extensão do dano a ser ressarcido[20], cogitar de uma causalidade que alcance até mesmo os resultados reflexos da conduta torna supérfluo indagar sobre presunção de causalidade. Seus limites seriam distantes;
- sob o ponto de vista dos efeitos do art. 944-B, sua vigência geraria potencial enriquecimento sem causa dos acionistas, por serem beneficiários de dupla reparação, seja em razão da ação de indenização por danos sociais (em que se beneficiariam da reparação à companhia), seja em razão da ação de indenização por danos individuais indiretos. Como reflexo invertido, outrossim, imporia potencial bis in idem ao controlador ou administrador que fosse demandado a indenizar os danos sociais e os danos individuais indiretos ao mesmo tempo;
- ainda sob o ponto de vista dos efeitos da norma, o art. 944-B traria o risco de a companhia ficar sem indenização pelo dano social sofrido, caso fosse demandada pelos acionistas por seus danos individuais reflexos;
- por fim, causaria instabilidade profunda na jurisprudência, que, como visto, se tem orientado majoritariamente por rejeitar a indenização dos prejuízos individuais reflexos. Inocular o art. 944-B no sistema causaria insegurança jurídica grave, sendo de diagnosticar antecipadamente, como sintomas imediatos, o crescimento expressivo de litígios sobre a matéria, e, como consequência, decisões em sentidos absolutamente diversos.
Em terceiro lugar, os impactos seriam ainda mais expressivos sob o ponto de vista do mercado.
Primeiro, porque o art. 944-B atropelaria grande parte dos esforços que resultaram no PL No. 2.925/2023, em curso de discussão, amplificando para além do sugerido os mecanismos de proteção e reparação dos acionistas lesados. Nem os relatórios produzidos, nem referido PL, cogitaram propor a ampliação do “dano indenizável”. Focaram seus esforços em sugerir a extinção do quitus, a previsão de um procedimento prévio para filtragem das disputas que devem ter sequência, a alteração dos percentuais de participação acionária para que os acionistas possam dar início a uma ação derivada, a permissão de que se possam celebrar acordos em ações derivadas, o aprimoramento da arbitragem como meio para resolução de demandas coletivas e a prestação de mais informações ao mercado sobre as disputas em que estiverem envolvidas as companhias, dentre outras medidas[21]. Nada sobre mexer no conceito de “dano indenizável”.
Segundo, porque esse esforço de diagnóstico e proposição levado a efeito por CVM, Ministério da Economia e OCDE orientou-se por “uma abordagem equilibrada”: se o escopo era propor o aprimoramento dos mecanismos de proteção e reparação dos minoritários, dever-se-ia “permitir que o investidor busque remédios contra a violação de seus direitos de propriedade, sem estimular a litigância excessiva e frívola”[22]. A sugestão está em linha com os “G20/OECD Principles”, que alerta para o “risk that a legal system that enables any investor to challenge corporate activity in the courts can become prone to excessive litigation”[23]. Ao admitir a indenizabilidade irrestrita dos prejuízos sofridos pelos acionistas, mesmo aqueles indiretos, o resultado que se terá é o oposto do almejado, com estímulo à litigância desmedida e à sangria imprevisível das companhias.
Conclusões
O diagnóstico de que era necessário modernizar a disciplina das companhias para fundar instrumentos de maior proteção aos acionistas, especialmente os minoritários, foi uma das bases para a edição da própria Lei das S.As[24]. Esse também é o diagnóstico dos relatórios produzidos em 2019 e 2020 pelo grupo de representantes da CVM, do Ministério da Economia e da OCDE – nada obstante alguns exageros, especialmente o de pregar o “falidismo” das soluções brasileiras como razão da reforma[25], o que nem sempre corresponde à realidade[26] –; diagnóstico, esse, que gerou um PL com as soluções que se entenderam tecnicamente pertinentes para fortalecer os meios de tutela reparatória dos acionistas.
O que se vê agora, a partir das motivações explicitadas pelos proponentes da reforma do Código Civil, é algo bem diferente disso. Quer-se substituir a racionalidade pela “emoção” enquanto motivo para a alteração legislativa, em prol de aplacar o “sentimento de impunidade” que, supostamente, a disciplina legal da responsabilidade civil tem provocado. Como defendeu o relator do Anteprojeto em entrevista recente, “[v]ocês acham que o sistema da responsabilidade civil no Brasil funciona? […] Ou as empresas no Brasil descumprem lei e descumprem contrato e pagam as indenizações rindo? Inclusive rindo da nossa cara?”[27].
Ao advertir sobre os perigos do art. 944-B, não tomo partido contrário ou favorável às soluções propostas pelo Projeto de Lei No. 2.925/2023, contrário ou favorável à adoção de alguma versão da fraud-on-the-market theory pelo direito brasileiro. Essas são reflexões em curso e que merecem sequência. Com a inserção do art. 944-B ao Código Civil, contudo, estar-se-ia colocando fim abrupto a parte considerável desses debates, atropelando os trabalhos levados a cabo por especialistas e por entidades do mercado; jogando às urtigas o Projeto de Lei No. 2.925/2023 e as Instruções recentes da CVM; e admitindo que a tutela reparatória dos acionistas deve ser ampliada pura e simplesmente pelo cheque em branco dos “danos indiretos”.
Um Código não é (ou não deveria ser) como a constituição monárquica da Bruzundanga, suscetível a mudanças sempre que surgido um “novo jurista alemão” ou um inovador “remédio para erisipelas”. Qualquer alteração que se proponha ecoa nos vários microssistemas que dele dependem. É de se duvidar que a disciplina das sociedades anônimas vá ganhar em aprimoramento, ou que o Brasil logre aprovação pela OCDE, caso tão grave modificação se acresça à disciplina geral da responsabilidade civil, ou caso tão graves mudanças, esparramadas em mais de 1.000 dispositivos do Código Civil (com potenciais repercussões em todos os ramos do direito privado), consigam a aprovação “a jato” que seus proponentes desejam. Não se sabe a que interesses atende o “já e já” que se viu no trâmite do Anteprojeto, repetido agora que convertido em Projeto de Lei. Sabe-se, porém, que não são os da segurança jurídico-econômica, da promoção da confiança do investidor e da coesão do sistema jurídico.
** NITSCHKE, Guilherme. Os “danos indiretos” no PL No. 4/2025 e os insuspeitos impactos à disciplina das sociedades anônimas (Parte II). In: MARTINS-COSTA, Judith; MARTINS, Fábio; CRAVEIRO, Mariana Conti; XAVIER, Rafael Branco (Orgs.) Boletim IDiP-IEC, vol. L. Publicado em 16.04.2025.
[1] Bastando lembrar, e.g., que, apesar de poucos e defeituosos, os únicos indicadores para a interpretação negocial que se tem estão no Código Civil (arts. 112, 113 e 114), sem os quais o intérprete fica desbussolado para interpretar negócios do campo societário, como os estatutos sociais ou os acordos de acionistas. Se o Código Civil pode produzir incompatibilidades e inconsistências, caso empobrecido e bagunçado com as propostas do PL No. 4/2025, de outro lado proporciona segurança jurídica à prática, naquilo que orienta e uniformiza.
[2] WEBER, Ana Carolina. Responsabilidade Societária. Danos causados pelos administradores. São Paulo: Quartier Latin, 2021, pp. 178-179.
[3] E.g. CARVALHOSA, Modesto. Parecer Jurídico. In: CARVALHOSA, Modesto; LEÃES, Luiz Gastão Paes de Barros; WALD, Arnoldo (Orgs.). A Responsabilidade Civil da Empresa perante os Investidores. Contribuição à modernização e moralização do mercado de capitais. São Paulo: Quartier Latin, 2018, pp. 27-47; WAISBERG, Ivo; SOLIANI, Sara Tainá. A legitimidade da companhia para figurar no polo passivo de demanda visando à reparação de danos sofridos pelo acionista. In: MONTEIRO, Andre Luis; ADAMEK, Marcelo Vieira Von; CRAVEIRO, Mariana Conti (Coord.). Arbitragem em Direito Societário. São Paulo: RT, 2025, pp. 247-267.
[4] “Art. 403. “Ainda que a inexecução resulte de dolo do devedor, as perdas e danos só incluem os prejuízos efetivos e os lucros cessantes por efeito dela direto e imediato, sem prejuízo do disposto na lei processual”.
[5] Já presente no art. 1.060 do Código Civil de 1916, por sua vez inspirado no original art. 1.151 do Código Civil francês de 1804 e, também por seu turno, adotando o entendimento de Pothier (hoje, o art. 1.231-4, pós “Ordonnance n° 2016-131 du 10 février 2016”, mantendo o conceito de “suite immédiate et directe de l’inexécution”). Sobre a ancoragem teórica da disciplina legal, veja-se: ALVIM, Agostinho. Da Inexecução das Obrigações e suas Conseqüências. São Paulo: Saraiva, 1949, pp. 304-305; CRUZ, Gisela Sampaio da. O Problema do Nexo Causal na Responsabilidade Civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 96 e ss.
[6] Assim destacava Agostinho Alvim, antes de defender a teoria adotada, desnudando o paradoxo de que “®ôda a causa é causa em relação ao efeito que produz, mas é efeito, em relação à causa que a produziu, estabelecendo-se, dêste modo, uma cadeia indefinida de causas e efeitos” (ALVIM, Agostinho. Da Inexecução das Obrigações e suas Conseqüências. São Paulo: Saraiva, 1949, p. 301).
[7] Ainda que careça fazer um apanhado comparativo para desvendar a fonte, talvez ela repouse no “Codigo Civil y Comercial” argentino de 2015, que previu, em ampliação à disciplina anteriormente vigente: “ARTICULO 1739.- Requisitos. Para la procedencia de la indemnización debe existir un perjuicio directo o indirecto, actual o futuro, cierto y subsistente. La pérdida de chance es indemnizable en la medida en que su contingencia sea razonable y guarde una adecuada relación de causalidad con el hecho generador”. Sobre a ampliação: FERRER, Martín Juárez. El daño como presupuesto de la responsabilidad civil. In: PAPAYANNIS, Diego M. (Coord.). Manual de Derecho de Daños Extracontractuales. Cidad de México: Suprema Corte de Justicia de la Nación, 2022, pp. 102-105.
[8] Indenizabilidade mais ampliada de danos indiretos é admitida por alguns sistemas jurídicos de pouca afinidade com o brasileiro, e ainda assim com nuances e gradações diversas e mais complexas do que a simples enunciação de que os danos indiretos são indenizáveis. Acerca da família da common law em tema de indirect damages e algumas de suas nuances, consulte-se: XAVIER, Rafael Branco. Consequential Damages Contratuais: comparação jurídica. Dissertação de Mestrado. Orient.: Prof. Assoc. Cristiano de Sousa Zanetti. São Paulo: USP, 2023, pp. 115-154 e 272-285.
[9] Sobre isso, veja-se ADAMEK, Marcelo Vieira Von; CONTI, André Nunes. O dano indireto: notas sobre a causalidade, a ação sub-rogatória e o concurso de pessoas na responsabilidade civil. Revista de Direito Privado. São Paulo: RT, 2025, v. 123, pp. 189-221.
[10] ESPÍNOLA, Eduardo. Systema do Direito Civil Brasileiro. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1912, v. 2, t. 1, p. 515, nota 341, ao relatar os dissensos na interpretação de trecho do Digesto sobre a matéria, a partir do que se estabeleceu a divisão de pouca pacificação entre damnum circa rem e damnum extra rem.
[11] Ou “teoria das condições” (Bedingungstheorie), poeirenta já à época em que Eduardo Espínola a descreve como aquela segunda a qual “ha equivalencia entre as condições indispensáveis para que se verifiquem os prejuizos, de onde procede o dever de indemnisação. A somma de todas as condições é a causa total da consequencia e cada uma dellas uma causa parcial, sufficiente para determinar uma relação de responsabilidade” (ESPÍNOLA, Eduardo. Systema do Direito Civil Brasileiro. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1912, v. 2, t. 1, p. 514).
[12] O Enunciado 552 da VI Jornada de Direito Civil defende interpretação ao art. 786 do Código Civil nos seguintes termos: “Constituem danos reflexos reparáveis as despesas suportadas pela operadora de plano de saúde decorrentes de complicações de procedimentos por ela não cobertos”. Os danos aludidos, contudo, não são “indiretos” propriamente ditos, mas “secundários”, a invocar o famoso exemplo de Pothier da “vaca doente”.
[13] “Art. 948. No caso de homicídio, a indenização consiste, sem excluir outras reparações: I – no pagamento das despesas com o tratamento da vítima, seu funeral e o luto da família; II – na prestação de alimentos às pessoas a quem o morto os devia, levando-se em conta a duração provável da vida da vítima”.
[14] E.g. o dano temporalmente distante, desde que o inadimplemento ainda se situe como sua causa necessária, como se vê do art. 949 do Código Civil, ao tratar das despesas até a convalescença da vítima: “Art. 949. No caso de lesão ou outra ofensa à saúde, o ofensor indenizará o ofendido das despesas do tratamento e dos lucros cessantes até ao fim da convalescença, além de algum outro prejuízo que o ofendido prove haver sofrido”.
[15] GOMES, Orlando. Responsabilidade Civil (ver. Edvaldo Brito). Rio de Janeiro: Forense, 2011, pp. 79-80; MARTINS-COSTA, Judith. O conceito de dano na responsabilidade civil. In: TERRA, Aline de Miranda Valverde; GUEDES, Gisela Sampaio da Cruz; STEINER, Renata C. (Coord.). AGIRE Direito Privado em Ação. Edições 1 a 100. Rio de Janeiro: Processo, 2024, p. 573-574; PONTES DE MIRANDA, F. C. Tratado de Direito Privado. 3. ed. São Paulo: RT, 1984, t. 22, p. 206.
[16] Categórico nesse sentido: “O que distingue a ação social da individual é a titularidade do patrimônio diretamente atingido pelo ato ilícito praticado pelo administrador, ou seja, a parte prejudicada” (LAZZARESCHI NETO, Alfredo Sérgio. Lei das Sociedades por Ações Anotada. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 515). A disciplina do microssistema da Lei das S.As também aqui segue a definição de dano direto da disciplina geral do Código Civil, como destaca a doutrina: “[o] dano é direto se for consequência exclusiva da causa. Por oposição, indireto diz respeito à interposição de outro fato ou conduta no espaço lógico-temporal entre a conduta ilícita tida como causadora e o prejuízo” (XAVIER, Rafael Branco. Consequential Damages Contratuais: comparação jurídica. Dissertação de Mestrado. Orient.: Prof. Assoc. Cristiano de Sousa Zanetti. São Paulo: USP, 2023, p. 278).
[17] “Art. 123. Compete a sociedade a ação de responsabilidade civil contra os diretores pelos prejuízos diretamente causados ao seu patrimônio, mas, se, não a propuzer, dentro de seis meses, a contar da primeira assembléia geral ordinária, qualquer acionista poderá promovê-la. Os resultados da ação da responsabilidade civil beneficiarão o patrimônio social, devendo a sociedade indenizar o acionista das respectivas despesas. Parágrafo único. Quando o mesmo fato causar prejuízos à sociedade e diretamente a qualquer acionista, poderá este intentar contra o diretor ou diretores responsáveis a ação que couber, independentemente do prazo fixado neste artigo”.
[18] VALVERDE, Trajano de Miranda. Sociedade por Ações (comentário ao Decreto-Lei no 2.627, de 26 de setembro de 1940). Rio de Janeiro: Forense, 1941, v. 2, p. 56; no mesmo sentido, CARVALHO DE MENDONÇA, José Xavier. Tratado de Direito Comercial Brasileiro. 7. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1964, v. 4, pp. 83-84.
[19] “Imputação” não no sentido de “inculpação”, mas de “atribuição de responsabilidade”. Para essas distinções, veja-se: MARTINS-COSTA, Judith. Comentários ao Novo Código Civil. Do inadimplemento das obrigações. Arts. 389 a 420. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2209, v. 5, t. 2, p. 135 e ss.
[20] CRUZ, Gisela Sampaio da. O Problema do Nexo Causal na Responsabilidade Civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 22.
[21] OECD (2020), Private enforcement of shareholder rights: A comparison of selected jurisdictions and policy alternatives for Brazil, http://www.oecd.org/corporate/shareholder-rights-brazil.htm, pp. 8-20.
[22] CVM – OCDE – SPE | Secretaria Especial de Fazenda | Ministério da Economia. Grupo de Trabalho (GT) para Fortalecimento dos Meios de Tutela Reparatória dos Direitos dos Acionistas. Fortalecimento dos meios de tutela reparatória dos direitos dos acionistas no mercado de capitais brasileiro Relatório Preliminar. Brasília, outubro de 2019, p. 4. O introito do segundo relatório também assim destaca, invocando os “G20/OECD Principles” para defender que “a balance must be struck by legislators and regulators between adequate incentives for investors to find redress for infringement of their ownership rights and avoiding frivolous litigation that may drain valuable resources for the company” (OECD (2020), Private enforcement of shareholder rights: A comparison of selected jurisdictions and policy alternatives for Brazil, http://www.oecd.org/corporate/shareholder-rights-brazil.htm, p. 7).
[23] OECD (2023), G20/OECD Principles of Corporate Governance 2023, OECD Publishing, Paris, https://doi.org/10.1787/ed750b30-en, p. 15.
[24] BULGARELLI, Waldirio. A Proteção às Minorias na Sociedade Anônima (à luz da nova Lei das Sociedades por Ações, Lei 6.404, de 15 de dezembro de 1976). São Paulo: Pioneira, 1977, p. 9; TEIXEIRA, Egberto Lacerda; GUERREIRO, José Alexandre Tavares. Das Sociedades Anônimas no Direito Brasileiro. São Paulo: José Bushatsky, 1979, v. 1, p. 10.
[25] Por detrás repousa o discurso do “falidismo” do direito latino-americano e da superioridade dos modelos de proveniência anglo-americana, movimento que alguns estudiosos têm chamado de “imperial law” (assim: GARDNER, James A. Legal Imperialism. American lawyers and foreign aid in Latin America. Madison: University of Wisconsin Press, 1980, passim; e MATTEI, Ugo. A Theory of Imperial Law: a study on U.S. hegemony and the Latin Resistance. Indiana Journal of Global Legal Studies. Bloomington: Indiana University, 2003, v. 10, p. 383). Esse frágil diagnóstico de “falidismo” é tido como estratégia discursiva que abre caminho para “projetos de reforma”, voltados a transformar esse cenário supostamente desolador, sob o verniz, na origem, do movimento de “Law and Development” e, agora, de certas linhas do “Law and Economics” (ESQUIROL, Jorge L. Ficções do direito latino-americano. In: Ficções do Direito Latino-Americano. Ensaios traduzidos (trad. Renan Barbosa Fernandes). São Paulo: Saraiva, 2016, p. 33; ESQUIROL, Jorge L. O direito fracassado da América Latina. In: MACEDO JR., Ronaldo Porto; BARBIERI, Catarina Helena Cortada (Orgs.). Direito e Interpretação. Racionalidade e instituições (trad. Carla Henriete Bevilacqua Picolo). São Paulo: Saraiva, 2011, pp. 440-487).
[26] Como mostra, e.g., BERGER, Renato. As Ações Derivadas no Direito Societário. São Paulo: Quartier Latin, 2023, pp. 57-58, para a disciplina das ações derivadas ajuizadas em razão de abuso do poder de controle.
[27] Flavio Tartuce, Relator Geral da Comissão Elaboradora do Anteprojeto, em vídeo publicado no YouTube sobre a Reforma do Código Civil. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=z1tEOZywbAs.