José Alexandre Tavares Guerreiro**

Por variadas razões, árbitros, juízes e tribunais estrangeiros têm sido chamados a aplicar normas de direito brasileiro a litígios submetidos à sua competência. Esse fenômeno, que não é novo, vem se acentuando de modo notável nas últimas décadas. Diga-se de passagem, nem sempre essa transferência se dá por opção de ambas as partes em dada controvérsia, mas por força de regras próprias, por exemplo, no âmbito universal da responsabilização patrimonial. Mas, sem dúvida, no plano comercial e financeiro, como decorrência do crescimento da economia brasileira no plano global, tornou-se inevitável, há muito tempo, a contratação transnacional, e, por consequência, a adoção de institutos de resolução de litígios no exterior, reservada, entretanto, a aplicação da lei nacional por entidades jurisdicionais estrangeiras ou por árbitros igualmente estrangeiros.

Apesar da prática de se valerem, nesses casos, de pareceres, a cada caso, os julgadores normalmente os submetem ao crivo de minucioso debate, confrontado, cada qual, com idêntica declaração oferecida pela parte adversa. Tais pareceres, firmados por juristas independentes brasileiros, de ambos os lados, devem ser objetivos e claros, de sorte que a questão jurídica sub iudice deve ser explorada de modo a não mais despertar dúvida aos julgadores. Os pareceristas devem comprovar não apenas sua independência, mas sua plena capacitação profissional e experiência no segmento jurídico de que se trata.

Tais pareceres, denominados Reports (e nem sempre Opinions) servem para atestar, exatamente, o estado da lei brasileira em vigor e sua aplicação ao litígio. Em muitas hipóteses, o que esses trabalhos devem traduzir não é uma determinada posição pessoal do autor em dada controvérsia, por mais autorizada que seja, mas a descrição da lei aplicável ao caso, de modo articulado, ou seja, compreendendo os diversos ângulos de interpretação, mas levando à afirmação da solução legislada como é, e não como deve ser, ou como a doutrina sustenta, quando a lei afirma em sentido contrário.

Esses Legal Reports, portanto, e em regra, devem se cingir ao direito positivo. As referências ao direito comparado são problemáticas, em razão da dificuldade em situá-las no contexto da questão sub iudice, frente em paralelo ao sistema jurídico sob o qual a referência invocada se faz.

A experiência ensina que o direito comparado, muitas vezes, mais complica que atrapalha a clareza daquilo que o Legal Report quer evidenciar, como meio de prova à disposição das razões dos advogados de cada parte.

A mesma experiência revela, aliás, quão difícil é a integral e eficiente transposição de ideias e conceitos de nossa ordem jurídica a juízes ou árbitros formados em ambientes culturais diversos, por mais bem formados, hábeis e versáteis que sejam. Não se tratam, apenas, de soluções tópicas e isoladas de problemas jurídicos teóricos, mas de questões complexas e geralmente controvertidas.

O trabalho dos advogados e pareceristas deve traduzir um sistema de direito e colocar, dentro dele, o dissídio de que se trata, em contextos nem sempre justificados de modo absoluto pela jurisprudência do país de origem (que, no Brasil, como em outros países, confere valor relativo aos precedentes). As circunstâncias de fato de cada litígio, por outro lado, contribuem para dificultar decisões claras, fáceis e rápidas.

Dentre os problemas mais comuns que, por experiência própria, posso afirmar que frequentemente ocorrem em tais situações, assinalo as condições de descumprimento de contratos, sob alegações de desequilíbrio econômico superveniente à sua celebração, ou outras, semelhantes, ou fundadas em motivos paralelos ou de origem parecida.

Nesse caso, particularmente, já são muitas as dificuldades do julgador estrangeiro no tocante às diversas soluções de nosso sistema de direito, que oferecem, realmente, alguma complexidade. A jurisprudência, por seu turno, carece de estabilidade, nesse segmento da ordem jurídica privada.

Profissionalmente, o que se deve afirmar, neste momento de reforma do Código Civil, é a necessidade de segurança do direito. Necessidade ainda maior quando se considera a incompreensão de juízes e árbitros estrangeiros quanto à complexidade de soluções que ora já se encontram no ordenamento para essa relevantíssima questão – uma das que mais atingem o interesse de empresas brasileiras sujeitas a julgamentos transnacionais.

Os Legal Reports devem ser claros, naturalmente, mas nem sempre as situações de fato a que fazem referência encontram, em juízos estrangeiros, a correspondência tipológica desejada, o que já constitui problema vigente.

O razoável temor é oriundo da reforma do Código Civil, tal como projetada neste momento. Receio que a segurança do direito venha a ser ainda mais afetada, na específica esfera do descumprimento de contratos, em litígios transnacionais. Com esse desfavorecimento, acarreta-se sensível prejuízo a empresas que, confiando na estabilidade das previsões legais, venham a sofrer prejuízos em sua incorreta aplicação.

O que deve ser evitado.

 

** Advogado em São Paulo. Professor de Direito Comercial (Senior) da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.