Sílvia Marzagão** e Felipe Varela Caon***

  1. Introdução

Tal como ocorre com uma obra de arte, em que a intenção do artista se perde a partir das múltiplas interpretações do público — a ponto de se afirmar que “são os espectadores que fazem os quadros[1] — assim se dá com as leis. Como a mens legis é tão somente um dado histórico, que até pode auxiliar o exegeta, mas não o vincula, o debate em torno das possíveis interpretações acerca de projetos de lei é uma rica contribuição que pode auxiliar os legisladores a entender os possíveis impactos de uma norma vinculante à sociedade.

É nessa perspectiva que se objetiva, neste artigo, tratar de proposição constante de dois projetos de Lei, o de nº 2524/2024[2] e o de nº 04/2025[3], ambos em trâmite no Senado Federal[4]. Neles, entre vários pontos que não são objeto dessa análise, foi proposta a inserção de disposição no Código Civil vigente para constar que “a potencialidade da vida humana pré-uterina e a vida humana pré-uterina e uterina são expressões da dignidade humana”.

A despeito do importante debate filosófico que envolve o tema do início da vida, parece relevante atentar às possíveis consequências práticas que poderão advir de interpretações de um dispositivo que relaciona a dignidade da pessoa humana a gametas ou a uma simples combinação de gametas. Essa proposição permite correlacionar previsões distópicas que demonstram a aproximação da realidade à ficção, com o objetivo de demonstrar o quão arriscado é criar uma norma cogente que vem promover um verdadeiro retrocesso nos costumes brasileiros assentados há cerca de 80 anos. 

  1. Os projetos em tramitação

O Projeto de Lei nº 2.524/2024, de autoria do senador Mecias de Jesus propõe reconhecer a viabilidade fetal a partir da 22ª semana de gestação, garantindo ao nascituro direitos civis plenos, como o direito à vida e à dignidade. Ainda apresenta uma restrição ao aborto legal (nos casos de vítimas de estupro ou em que o bebê apresente anencefalia) ao criar uma presunção legal absoluta de viabilidade fetal, quando a gravidez tiver mais de 22 semanas[5]. Em sua justificação, o Senador Mecias de Jesus esclarece que a proposta de sua autoria visa “à proteção da vida humana contra quaisquer espécies de procedimento abortivo”, e chega a fazer uma ressalva, esclarecendo que “não se trata de qualquer espécie de vitimização de mulheres”.

Embora os defensores argumentem que a proposição protege a vida do feto, é importante se atentar para as consequências dessa medida, que pode restringir o acesso ao aborto legal e comprometer decisões médicas essenciais para a saúde da gestante. Esse projeto é visto como um exemplo de legislação que desconsidera a autonomia das mulheres e reforça padrões patriarcais sob a justificativa de proteção à vida.

Interessante notar que mesmo não havendo, no Código Penal brasileiro, um limite gestacional para o aborto legal nos casos previstos em lei (risco à vida da gestante, anencefalia fetal e gravidez resultante de estupro), a interrupção da gravidez após 22 semanas, muito recentemente, tornou-se um tema de disputa política. Em junho de 2024, o Conselho Federal de Medicina (CFM) proibiu o uso da assistolia fetal – procedimento recomendado pela OMS para interromper os batimentos cardíacos do feto – em gestações avançadas. A Resolução foi suspensa pelo STF, mas gerou insegurança entre os profissionais de saúde, por temor de perseguição do Cremesp[6].

Já o § 1º, do art. 1.511-A, do Projeto de Lei nº 04/2025 (Senado) e o art. 1º do Projeto de Lei nº 2524/2024, preveem que a potencialidade da vida humana pré-uterina é (ao lado da potencialidade da vida humana uterina) expressão da “dignidade humana e de paternidade e maternidade responsáveis”.

Ora, no legislativo brasileiro, a temática do aborto e dos direitos das mulheres vem sendo tratada sob a perspectiva do espetáculo, à la Guy Debord[7] e não com base em critérios racionais[8], o que suscita lembrar o cenário distópico tantas vezes retratado na literatura e no cinema, como, por exemplo, no livro O Conto de Aia, de Margaret Atwood[9] (que deu origem a série homônima[10]), ou nos filmes, como 1984[11] (Michael Radford), Minority Report[12] (Steven Spielberg) e Matrix[13] (Lana e Lilly Wachowski), que trazem visões ficcionais de controle autoritário, vigilância em massa e manipulação comportamental.

O cenário apresentado nas obras de ficção desvenda o inquietante risco de se criar leis civis que abram espaço para imposição de novas modalidades de controle dos corpos (notadamente femininos), revelando possíveis retrocessos que têm a potencialidade de atingir direitos há muito conquistados, como o aborto legal.

  1. A dignidade da vida pré-uterina: aspectos jurídicos e implicações legislativas

            O debate entre os concepcionistas e naturalistas costuma ser estudado nos primeiros anos da faculdade de direito, mais ou menos no mesmo período em que também se estuda a Teoria Geral do Estado. A vinculação entre os estudos desenvolvidos é quase inevitável: a superação dos concepcionistas pelos naturalistas parece representar um paralelo com a formação do Estado Moderno e a sua consequente separação da igreja.

E não poderia ser diferente. Afinal, como dizer que uma simples combinação de gametas já forma uma pessoa – quando se sabe que esse é só o primeiro passo da formação da vida, que só se faz viável com a conjunção de uma série de fatores externos, dentre eles o acolhimento do zigoto ou embrião por um útero saudável, conjugado com a intenção de se levar a gravidez até o seu fim — sem falar de religião?

Não se deve olvidar, como ressalta Clóvis Bevilaqua – ao justificar o porquê de o Código Civil de 1916 ter afastado a ideia de que a personalidade começaria com a viabilidade da vida humana –, que “o ponto de vista do direito é social e não biológico[14]. O que interessa ao mundo jurídico é a existência de um indivíduo vivo e não a simples potencialidade da existência desse mesmo indivíduo. Ademais, conforme destaca Paulo Lôbo, na teoria jurídica, o conceito de pessoa pressupõe a existência de uma relação jurídica ou um vínculo com outras pessoas, uma vez que ninguém é considerado pessoa sem essa interação.

Trata-se de uma qualificação jurídica resultante da eficácia de um fato jurídico específico, sempre condicionada à possibilidade de estabelecer ou potencialmente vir a estabelecer relações jurídicas[15]. Daí não haver razão em atribuir personalidade jurídica a quem não tem vida extrauterina. Essa é a razão pela qual foi eleito um critério racional (e não religioso) para fixar o início da personalidade jurídica (da pessoa natural), o que se deu no Código Civil de 1916 (art. 4º)[16] e no Código Civil de 2002 (art. 2º)[17]: o nascimento com vida.

Não se quer dizer que os fetos em gestação não mereçam proteção. É indispensável reconhecer no concebido um ente sujeito parcialmente dotado de força jurisgênica[18]. Inclusive, é possível extrair essa conclusão dos mesmos artigos dos Códigos Civis de 1916 e 2002 que estabeleceram que a personalidade tem o início com o nascimento com vida, ressalvando: “mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro”.

Mas o que seria, então, um nascituro?

Somente é possível considerar a existência de um “nascituro” a partir da nidação do ovo, processo que assegura a viabilidade e a continuidade da vida daquele. É justamente por isso que, no caso da fecundação in vitro, o ovo fecundado não é considerado nascituro enquanto não for implantado no útero[19].

O nascituro ainda não é considerado uma pessoa nem possui personalidade jurídica. Os direitos a ele atribuídos permanecem em estado potencial e só se concretizam caso venha a nascer com vida, então adquirindo personalidade. No entanto, se o nascimento não ocorrer, esses direitos não se consolidam, não sendo possível reconhecer-lhe personalidade[20].

O reconhecimento dos direitos do nascituro (e não exatamente dos direitos da personalidade, porque pessoa, esse não é) existe por uma razão social, ou seja: existem fatos do mundo, reconhecidos pelo mundo jurídico, que precisam ser tutelados, como os próprios alimentos gravídicos, ou até mesmo a ilicitude do aborto (afinal, se o nascituro não tivesse direitos, a quem ofenderia o aborto?). Mas o que se dizer dos zigotos fora da vida uterina? Há razão para que tenham direitos?

Em que pese todas as implicações bioéticas que não devem ser olvidadas, não parece razoável atribuir “dignidade da pessoa humana” a uma potencialidade de vida pré-uterina. No grau de evolução tecnológica em que a humanidade se encontra no século XXI, não há viabilidade da formação de uma vida humana fora do útero, seja ela pela utilização de gametas isolados (potencialidade), seja em razão da combinação de gametas.

É o que pretende fazer, no entanto, o PL 04/2025 no citado parágrafo 1º do art. 1.511-A.

Durante as sessões para a consolidação do relatório do Anteprojeto de Reforma do Código Civil, os debates foram acalorados quanto à manutenção — ou não — do dispositivo. Antes mesmo da apresentação do relatório final, algumas interpretações levavam à conclusão de que o Código Civil estaria (como se possível fosse) permitindo a realização de abortos no país. Mas a intenção legislativa era justamente o contrário: ampliar ao máximo a extensão da proteção tanto de gametas (espermatozoides e óvulos), quanto de embriões, como ressaltado pelos autores da proposição[21].

Muito embora tivesse sido dito algumas vezes, durante a sessão, que a intenção seja a proteção de gametas (para impedimento de comercialização) e do nascituro, em evidente adesão à teoria concepcionista (ao tratar de vida pré-uterina e uterina), abre-se margem a discussões muito mais amplas e que poderão atingir uma extensão inimaginável[22]. Mas não parece razoável assegurar “dignidade da pessoa” a quem não é, ainda “pessoa” para o Direito, tal como a simples potencialidade da vida pré-uterina e gametas.

Se assim fosse, considerar gametas como titulares da dignidade assegurada à pessoa humana poderia gerar impedimento para que homens mantenham relações sexuais cuja finalidade não seja a reprodução, uma vez que gametas — detentores de “dignidade” — seriam aniquilados após a ejaculação sem fim reprodutivo. Recentemente observou-se um movimento nesse exato sentido, nos Estados Unidos. Em 20 de janeiro de 2023, o senador estadual do Mississippi, Bradford Blackmon, apresentou um projeto de lei propondo a proibição de atividades sexuais para homens sem a intenção de procriação. Segundo o texto proposto, tanto a masturbação quanto o sexo sem o objetivo reprodutivo seriam classificados como atos ilegais[23]. Aí se vê mais uma aproximação entre realidade e distopia.

Atribuir dignidade aos gametas, tratando-os ainda como expressão de maternidade e paternidade responsável (tal como prevê o § 1º, do art. 1.511-A, do PL nº 04/2025[24]), poderá, ainda, retomar a discussão acerca da natureza dos direitos conjugais, retornando séculos na discussão para atribuir, a um ou a outro parceiro, possibilidade de imiscuir-se em discussões sobre o corpo daquele com quem busca comunhão plena de vida.

O interessante é notar, nessa perspectiva, que se assim ocorresse, o ordenamento jurídico acabaria por privilegiar os direitos de um ser que não detém personalidade (o nascituro) em detrimento a quem a tem (a mulher). Se assim fosse, paradoxalmente, sob o pretexto de tutelar a vida dos nascituros, se acabaria por impor a morte a milhares de mulheres que haveriam de se sujeitar a abortos clandestinos.

A vida imita a arte. Em pleno século XXI, infelizmente, a realidade de milhões de pessoas (primordialmente mulheres) no mundo todo se aproxima a de Karoline, do filme A Garota da Agulha[25]. Forçadas por imposições da vida e impedidas de receberem um tratamento médico adequado, milhões de mulheres recorrem ao aborto ilegal e boa parte delas acaba morrendo. Segundo a organização Worldometers, o aborto foi uma das principais causas de morte em 2024, registrando mais de 6,07 milhões de casos, superando o número de mortes por doenças como câncer e HIV/AIDS[26].

Essa realidade demonstra a necessária sensibilidade ao se abordar temas como o da alegada dignidade daqueles que ainda não são nascidos. Se hoje é punível o aborto em razão da tutela do nascituro, quais não seriam as consequências de se atribuir dignidade a gametas e zigotos, que sequer se encontram acolhidos por um útero? Embora a Lei Civil não possa, por si só, expurgar a legislação atinente ao aborto objeto de disciplina no Direito Penal, poderá servir de respaldo para discussões com vieses restritivos de direitos, discussões essas, inclusive, já em trâmite em face dos projetos de lei aqui referidos.           

  1. Considerações Finais

Não há como não concluir o presente artigo sem apontar que um texto que afirma prestigiar “em diversas normas, a autonomia privada dos brasileiros e brasileiras”[27] demonstra-se contraditório ao prever norma que pode – e certamente será –interpretada em caráter extensivo restringindo direitos reprodutivos e sexuais dos cidadãos. É fundamental que o debate legislativo priorize a proteção dos direitos humanos e a autonomia individual, evitando a instrumentalização de conceitos como dignidade e vida para fins de controle social.

A sociedade deve estar atenta a esses riscos embutidos no PL 04/2025 e exigir que as leis sejam construídas com base em evidências científicas, respeito à diversidade e garantia de liberdades fundamentais.

 

** Mestre em Direito Civil (PUC/SP), Presidente da Comissão Especial de Direito e Sucessões da OAB/SP, Advogada.

*** Doutor em Direito Civil (PUC/SP), Mestre em Direito Privado (UFPE), Pós-graduado em Direito Civil e Empresarial (UFPE), Advogado.

[1] DUCHAMP, Marcel. Apud MARCADÉ, Bernard. Marcel Duchamp: la vie à crédit. Paris: Flammarion, 2008. p. 248.

[2] Art. 1º A Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), passa a vigorar com a seguinte redação: “Art. 2º (…) § 1º A potencialidade da vida humana pré-uterina e a vida humana pré-uterina e uterina são expressões da dignidade humana. § 2º A tutela dos direitos de personalidade alcança, no que couber e nos limites de sua aplicabilidade, os nascituros, os natimortos e as pessoas falecidas. § 3º É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar ao nascituro, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação gravídica, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar, além de colocá-lo a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. § 4º O nascituro que gozar de absoluta viabilidade fetal, presumida esta quando a gravidez comprovadamente tiver mais do que vinte e duas semanas, terá direito inviolável ao nascimento sadio e harmonioso, restringível apenas no caso em que houver comprovado risco grave à vida da gestante em decorrência da manutenção da gravidez, situação em que se procederá à tentativa de antecipação do parto e de manutenção da vida extrauterina da pessoa recém-nascida.”

[3] “Art. 1.511-A. O planejamento familiar é de livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e financeiros para o exercício deste direito, vedada qualquer forma de coerção, por parte de instituições privadas ou públicas.

  • 1º A potencialidade da vida humana pré-uterina e a vida humana pré-uterina e uterina são expressões da dignidade humana e de paternidade e maternidade responsáveis.

[4] Pertinente se faz o registro preliminar: este artigo não revela uma crítica ad hominem aos responsáveis pelos Projetos de Lei nº 2524/2024 e nº 04/2025 (Senado), mas objetiva ser uma contribuição ao debate acerca de pontos específicos constantes das referidas propostas legislativas, notadamente aqueles que buscam vincular (e, por que não, atribuir) dignidade humana à mera potencialidade da vida humana pré-uterina.

[5] § 4º O nascituro que gozar de absoluta viabilidade fetal, presumida esta quando a gravidez comprovadamente tiver mais do que vinte e duas semanas, terá direito inviolável ao nascimento sadio e harmonioso, restringível apenas no caso em que houver comprovado risco grave à vida da gestante em decorrência da manutenção da gravidez, situação em que se procederá à tentativa de antecipação do parto e de manutenção da vida extrauterina da pessoa recém-nascida.

[6] FOLHA DE S. PAULO. Mulher encena feto durante debate no Senado; veja vídeo. Folha de S. Paulo, 10 jun. 2024. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/2024/06/mulher-encena-feto-durante-debate-no-senado-veja-video.shtml. Acesso em: 10 jan. 2025.

[7] DEBORD, Guy. A sociedade do espetáculo. Trad. Estela dos Santos Abreu. Rio de Janeiro: Contraponto, 1997.

[8] FOLHA DE S. PAULO. Mulher encena feto durante debate no Senado; veja vídeo. Folha de S. Paulo, 8 jun. 2024. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/2024/06/mulher-encena-feto-durante-debate-no-senado-veja-video.shtml. Acesso em: 16 fev. 2025. Em 17 de junho de 2024, durante o debate realizado no Senado sobre a proibição do Conselho Federal de Medicina (CFM) à assistolia fetal, quando a contadora de histórias Nyedja Gennari fez uma encenação dramatizada, simulando um feto gritando durante o procedimento, dizendo querer continuar vivo, enquanto senadores assistiam e registravam a cena em vídeos, para posterior publicação das redes sociais.

[9] ATWOOD, Margaret. O Conto da Aia. Tradução de Ana Deiró. São Paulo: Rocco, 2017. Na obra, um governo totalitário e teocrático restringe severamente a liberdade das mulheres, reduzindo-as a funções reprodutivas e controlando seus corpos em nome de uma suposta “ordem moral”.

[10] O CONTO DA AIA. Criado por: Bruce Miller. Produção: Warren Littlefield, Bruce Miller, Daniel Wilson. Estados Unidos: MGM Television, Hulu, 2017 – presente. Série de TV (Streaming: Paramount+).

[11] 1984. Direção: Michael Radford. Produção: Michael Radford. Canadá: Virgin Films, 1984.

[12] MINORITY REPORT. Direção: Steven Spielberg. Produção: Bonnie Curtis; Gerald R. Molen. [São Paulo: Fox Film do Brasil], 2002. DVD (145 min.).

[13] MATRIX. Direção: Lana Wachowski, Lilly Wachowski. Produção: Warner Bros Pictures. Estados Unidos, 1999.

[14] Sem falar na incerteza e insegurança jurídica de se exigir a prova da viabilidade da vida para que se confiram ao ser os atributos da personalidade. Leia-se em Bevilaqua: “Finalmente, a doutrina da viabilidade não oferece a necessária segurança às relações jurídicas. O direito precisa de saber quando começa a existência das pessoas, para que o movimento da vida social não se interrompa ou não fique indeciso. Mas a inviabilidade não há de ser declarada arbitrariamente, deve ser o resultado de um exame pericial, aliás impossível nas regiões do interior. E. enquanto se não profere o laudo, as relações jurídicas, em que o recém-nascido é sujeito, ficam suspensas, o que é altamente inconveniente.” (BEVILÁQUA, Clóvis. Código Civil dos Estados Unidos do Brasil. v. 1. 12. ed. Rio de Janeiro: Paulo de Azevedo Ltda., 1959. p. 145).

[15] LÔBO, Paulo. Direito civil: parte geral. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 98.

[16] Art. 4º. A personalidade civil do homem começa com o nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro.

[17] Art. 2º. A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro.

[18] SOUZA, Rabindranath V. A. Capelo de. O direito geral de personalidade. Coimbra: Coimbra Editora, 1995. p. 363.

[19] ALMEIDA, Silmara J. A. Chinelato e. O nascituro no Código Civil e no direito constituendo do Brasil. Revista de Informação Legislativa, n. 97, v. 25, jan/mar. 1988, p. 182.

[20] PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil – Direito de Família. Vol. V. 16ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 2007. p.153.

[21] SENADO FEDERAL (Brasil). Juristas debatem relatório sobre o Código Civil. Senado Notícias, 4 abr. 2024. Disponível em: https://www12.senado.leg.br/noticias/videos/2024/04/ao-vivo-juristas-debatem-relatorio-sobre-o-codigo-civil-2013-4-4-24. Acesso em: 10 fev. 2025. No debate se afirma: “[…] quando a norma falava de potencialidade de vida humana pré uterina, não é o nascituro. Aqui nós estamos falando de gametas, espermatozoide e óvulo. E a norma — eu na verdade vou encaminhar para a gente tentar uma redação alternativa — essa norma, ela veda, já que a gente está tratando de reprodução assistida, ela veda venda de gametas, porque isso ofende a dignidade da pessoa humana a venda de gametas, então nós estamos tirando, por pressões externas, um artigo que é fundamental (…) a proposta aqui é para vedar a venda de gametas, venda de óvulo e venda de espermatozoide”

[22] Não se pode olvidar, ademais, que, nessa proposição, a intenção de impedir a comercialização de gametas, com a atribuição de dignidade a essa simples potencialidade da vida pré-uterina, instaura a possibilidade de ampliar, ainda mais, o controle dos corpos pelo Estado, permitindo controlar os próprios gametas, como dito durante a sessão de votação do texto.

 

[23]BARNABÉ, Gabriel. Senador dos EUA propõe lei para proibir ejaculação sem objetivo de fertilizar. Folha de S. Paulo, 12 jan. 2025. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2025/01/senador-dos-eua-propoe-lei-para-proibir-ejaculacao-sem-objetivo-de-fertilizar.shtml. Acesso em: 12 jan. 2025.

[24] “Art. 1.511-A. O planejamento familiar é de livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e financeiros para o exercício deste direito, vedada qualquer forma de coerção, por parte de instituições privadas ou públicas.

  • 1º A potencialidade da vida humana pré-uterina e a vida humana pré-uterina e uterina são expressões da dignidade humana e de paternidade e maternidade responsáveis.

[25] A GAROTA DA AGULHA. Pigen med nålen. Direção: Magnus von Horn. Produção: Malene Blenkov, Mariusz Wlodarski. Dinamarca, Polônia, Suécia: Nordisk Film Suécia, 2024. Disponível em: Serviço de streaming. Baseado em fatos reais, o filme narra a realidade de Karoline, uma mulher pobre que trabalha numa fábrica, em situação de absoluta precariedade — tal como era comum no início do século XIX, e, em certos estratos sociais, ainda o é, no século XXI — que acredita ter ficado viúva, em razão do fato de seu marido, após ter ido à 1ª Guerra Mundial, não dar notícias há mais de um ano. Nessa situação, envolve-se com um homem que, ao descobrir sua gravidez, a rejeita, impondo-lhe uma situação de completo abandono, incluindo a perda do único emprego que permitia o seu precário sustento. Em um dos pontos altos (e mais angustiantes) do filme, Karoline, completamente desesperada, vai a uma casa de banhos pública e introduz em si mesma, dentro de uma banheira, uma longa agulha de crochê, tudo com o objetivo de interromper a gestação que se demonstrava absolutamente inviável, ante o completo estado de penúria em que se encontrava.

[26] FEITOSA, Diogenes Freire. Com mais de 6 milhões de vítimas em 2024, morte por aborto lidera ranking mantido por organização. Gazeta do Povo, 10 jan. 2024. Disponível em: https://www.gazetadopovo.com.br/vida-e-cidadania/com-mais-de-6-milhoes-de-vitimas-em-2024-morte-por-aborto-lidera-ranking-mantido-por-organizacao/. Acesso em: 10 jan. 2025.

[27] Exposição de motivos do PL 04/2025.